Por Aldi Nestor
E justo agora que meu corpo caiu de preço, vou ter que mudar de endereço. A Universal comprou o prédio inteiro e o puteiro vai virar casa do senhor. Isso mesmo. O senhor tá construindo um latifúndio. Já tirou o ganha pão de um monte de gente carente, que eu sei. Acabou com o cine pornô, com o sebo, com o bar da esquina e da frente, com a igreja concorrente. Até farmácia já comprou. Que horror. Eu, hein, brigar com Deus sei que não vou, mas que parece que ele gosta de concentração, lá isso parece. Ainda bem que não aprendi a fazer prece, senão eu estaria agora pedindo pra quem? Hein? Responda.
Vou sentir falta, por uns dias, desse meu quartinho, das minhas coisas guardadas na mala em baixo da cama. Grandes coisas essas que somem dentro de uma malinha de nada. Acho que a gente é treinado pra sentir falta do nada que não tem. Merda. Mas falta é coisa que dá e passa e esse quarto nem é meu. Ainda bem. E você, vai sentir falta de que? Hein? Responda.
Se fosse no tempo em que eu ainda sabia sentir dor, acho que estaria desesperada, aos prantos, protestando e brigando por aí feito uma destrambelhada. Tempo besta esse, ainda bem que já passou. Com a chegada dos anos, a gente se acostuma até com a morte. Sorte? “Tristeza não tem fim, felicidade sim”. Se até um poeta disse essa besteira, que direi eu que nada sou e que não sei dizer nada? Hein? Responda.
A essas alturas, acho que vou mesmo é pra rua. Qual é a sua? Não é possível que o senhor vá querer me expulsar até de lá, né não? Vou me deitar no chão, olhar pro tempo, pro vento, pra nada, vou me proteger com a lua, com o sol, com um lençol. Um boquete atrás de um caminhão, dezão. Dá pro bagulho. Uma transa no capim, num beco, no seco, sem leito, assim feito os animais, liberais, degredados, filhos da erva. E ai de quem se meter a besta e querer dedurar o meu jeito de não ser, de não estar, de não existir, de não sentir. Vão todos pro senhor que os carregue. E você, vai pra onde? Hein? Responda.
E quando eu tiver a imensidão da rua ao meu dispor, e tiver uma rua diferente por dia pra dormir, e puder escolher a calçada, e puder escolher o papelão, e tiver dormindo no chão, e tiver perdido a razão, acho que vou até ficar contente e agradecer ao senhor. Vida besta essa. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” Hein? Responda.
Aldi Nestor, 47, é professor de matemática, gosta de literatura, música,
café e de andar de bicicleta. Ele também acredita que a preguiça é uma
das bases do progresso humano.
Pancada – phodão! vlw
Muito bom, muito!