Por Luiz Renato de Souza Pinto*

A Literatura é um espaço que, por excelência, apresenta condições para se criar mundos imaginários. Escritores de todos os países que exploram as mais variadas temáticas em suas obras usufruem desse procedimento, a fim de ambientar suas narrativas, desde as mais triviais até as melhor elaboradas. Tem sido assim, desde que o mundo é mundo.

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Manuel Bandeira

Com Manuel Bandeira notorizou-se a imaginária Pasárgada, local provido de bálsamos para o corpo e a alma, repleto de elementos capazes de satisfazer aos mais exigentes corpos: “Em Pasárgada tem tudo, é outra civilização”. E pensar que o poeta pernambucano contraiu tuberculose aos 18 anos e jamais permitiu que alguma formosa dama o envolvesse – pensava mais nelas do que em si mesmo. Bandeira decerto imaginava que a morte o colhesse a qualquer momento e quis evitar sofrimentos por parte de qualquer pretendente. Talvez por isso a presença feminina em sua poesia seja ocupada por prostitutas, para as quais o amor não precisa (nem deve) ser correspondido. Faleceu somente aos 82 anos de idade, convivendo exatos 64 anos com a moléstia.

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Gabriel Garcia Marquez

O autor de Cem anos de Solidão, clássico do realismo mágico latino-americano, Gabriel Garcia Marquez, também criou sua cidade modelo. Macondo é o cenário pelo qual desfilam seus personagens homônimos que vão contando e recontando suas histórias vibrantes que inebriam os leitores com a magia entrelaçada em construções frásicas profundas e delirantes. Marquez utiliza-se da literatura para coloca-la a serviço de uma formação identitária do povo colombiano, materializando recortes históricos e culturais de povos centenários que orbitam o entorno da cordilheira. Nós, brasileiros, temos uma dificuldade enorme de nos encaixarmos na história de povos latino-americanos, penso que um pouco pela barreira da língua, talvez também pelo imaginário bélico que separou a cultura ibérica em dois mundos distintos, aos olhos da segmentação crescente, fruto do idealismo patrocinado pela Revolução Francesa.

Foto do cotidiano de Erico Veríssimo com sua IBM trabalhando em mais uma obra. Foto: Leonid Streliaev
Foto do cotidiano de Erico Veríssimo com sua IBM trabalhando em mais uma obra. Foto: Leonid Streliaev

Com Érico Veríssimo, por sua vez, essa junção se dá de maneira mais interessante. Por ser gaúcho, homem ligado às questões de fronteira que garantiram ao Brasil sua delimitação territorial, em O Tempo e o Vento, por exemplo, questões épicas dão conta dessa cultura entrelaçada pelos nós pampeiros que reproduzem a zona de equilíbrio entre Portugal e Espanha, materializados na cidade de Santa Fé, orgulho dos antigos gaúchos (e não gaúchos), povos indomados que campeavam pelas coxilhas alimentando-se do gado chimarrão. Érico Veríssimo com Incidente em Antares introduz na literatura brasileira o realismo mágico, o que faz de sua obra tributária da influência do movimento iniciado por Juan Rulfo com Pedro Páramo e que encontra em Carlos Fuentes, Julio Cortazar, Roa Bastos, Ernesto Sábato, Manuel Scorza, dentre outros autores de países vizinhos um corpus estilizado de escritores e obras representativos desse movimento. Garcia Marquez e Érico Veríssimo, em sua prosa e Manuel Bandeira na poesia conseguiram, dessa maneira, imprimir em sua vasta biografia esse recorte representativo de construção imaginária que mexe com as sensações do leitor de suas obras.

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Nicholas Beher

Na poesia, o poeta cuiabano de nascimento e brasiliense por escolha, Nicholas Behr, também embarca nessa representação. Em filme de 2010 que mistura elementos biográficos com detalhes de sua obra e processo de criação nos apresenta a sua Braxília, inicialmente erro datilográfico que serve como start para imprimir esse conceito. Braxília é uma cidade imaginária, inventada com todo seu potencial poético que invoca a criação de um santuário pelo qual o poeta passeia os seus olhos a brincar com as superquadras, com o geometrismo das ruas e vias públicas, a silhueta dos edifícios etc.

A formação da identidade de um povo, de uma cultura, implica na construção de um universo repleto de idiossincrasias. Acreditar que as palmeiras da Canção do Exílio representam o Brasil do século XIX é ignorar o fato de que as palmeiras imperiais que adornam praças e quintais brasileiros foram trazidas inicialmente pela família real portuguesa, com a vinda de Dom João VI. Nicholas Behr, em seu Dicionário Sentimental de Diamantino nos traz no verbete Palmeiras um recorte dessas monocotiledônias tipicamente nacionais. Behr nos informa que “Existem no mundo mais ou menos 2.200 espécies de palmeiras, sendo que no Brasil, temos cerca de 200, e, na região de Diamantino, ocorrem quase 10% destas. Sim, temos 18 espécies de palmeiras, listadas abaixo” (BEHR, 2017, P. 122).

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Daniel Ferreira/CB/D.A Press

Na lista do poeta/botânico cuiabano-brasiliense figuram Açari, Acuri, Babaçu, Bacaba-de-leque, Bocaiúva, Buriti, Buriti, Buritirana, Coco-de-raposa, Gavirova, Guaricanga, Guriri, Indaiá, Iriri, Siriva, Tucum, tucum-mirim e Tucum-roxo. Temos convivido mais presentemente com a figura do Nicholas que tem revisitado seu passado a fim de produzir registros literários de seus tempos de infância em Cuiabá e Diamantino. Este ano já estivemos com ele por duas vezes aqui no Instituto Federal de Mato Grosso, campus Octaíde Jorge da Silva, antigo CEFET-MT, outrora Escola Técnica Federal de Mato Grosso, onde estudou antes de rumar para o Distrito Federal.

Assistindo ao filme Braxília percebemos a força criadora de sua poesia, os conceitos basilares que o trouxeram da influência concretista, a experiência marginal obtida da relação com os poetas do grupo carioca Nuvem Cigana e a maturidade poética conquistada no planalto central.

Se a Literatura tem essa capacidade mágica de nos projetar em cenários que destoam na realidade muitas vezes cruel, sem deixar sequelas, por que não brincar de faz de conta e dar mergulhos eventuais em busca de um refresco para o racionalismo exacerbado que nos toma conta dos dias e dias? Crie também sua cidade imaginária, personagens invisíveis, mas não deixe de se enxergar em cada um desses locais como uma pessoa capaz de promover em algum nível essa transubstanciação.

REFERÊNCIAS

BEHR, Nicholas. Dicionário Sentimental de Diamantino. 3. Edição. Edição do Autor: Brasília-Diamantino, 2017.

*Luiz Renato de Souza Pinto, escritor, poeta, ator, professor e botafoguense.
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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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