O presidente eleito Jair Bolsonaro deixou claro que é contra a demarcação de unidades de conservação e defendeu o turismo como uma forma de preservação ambiental. Ele falou do assunto em um vídeo postado em seu perfil no Facebook no dia 9 de novembro. Bolsonaro disse que “não existe turismo no Brasil” e enfatizou a necessidade de acabar com áreas de preservação ambiental para promover atividades turísticas. Na contramão dessa lógica, a pesquisa de mestrado de Deborah Santos Prado, mostra que existem outros caminhos.

Deborah foi até a Praia do Aventureiro, localizada na Ilha Grande, em Angra dos Reis (RJ), uma comunidade formada por caiçaras – nome que designa os habitantes do litoral sul do Rio de Janeiro ao Paraná. A pesquisadora, que também é bióloga, queria entender como aquelas pessoas lidaram com as mudanças sociais e ambientais provocadas principalmente pelo turismo e pela implantação de uma reserva biológica e como se adaptaram a elas.

“Pesquisas nesse tema chamam esse processo de ‘resiliência socioecológica’, que é a capacidade de um sistema – neste caso, socioecológico – em sofrer uma mudança e ainda assim manter a sua estrutura e função”, como explica Deborah, atualmente aluna de doutorado no Nepam (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Pescadores da Praia do Aventureiro saindo de canoa a remo para recolher suas redes de pesca. (Foto: Divulgação/Deborah Prado)

Aventurando-se dentro de uma unidade de conservação
O local paradisíaco é cercado por morros, grutas, trilhas, cachoeiras e lagoas. A Praia do Aventureiro faz juz ao nome porque nem sempre é fácil chegar até lá. Quando o mar está de ressaca não é aconselhável navegar, mas mesmo assim a ilha é muito procurada por surfistas e grupos que buscam hospedagem em campings de caiçaras. Lá não existem pousadas ou hotéis, nem sinal de celular, e a energia elétrica se dá somente por meio de pequenos geradores movidos à gasolina ou diesel, que funcionam normalmente até às 22h.

Historicamente, a comunidade sempre esteve vinculada a atividades de pesca artesanal e à agricultura. Mas ao longo do tempo algumas transformações surgiram na vida daquelas pessoas e causaram mudanças em seus modos de vida. Uma delas foi a criação, na década de 80, de uma Reserva Biológica, um tipo de unidade de conservação (UC) categorizada como Unidade de Proteção Integral. “Esse tipo de UC é muito restritiva e só podem sofrer ações que visam recuperar ecossistemas. Isso coloca um empecilho sobre como essa comunidade usava os recursos naturais”, explica Deborah.

Em 2014, depois de reivindicações de direitos da própria comunidade, parte do local foi reclassificado como Reserva de Desenvolvimento Sustentável, que faz parte da categoria de unidade de uso sustentável. Essa nova classificação assegurou as condições dos modos de vida da população, que puderam manter legalmente as suas atividades turísticas.

O coqueiro deitado é um dos cartões postais da Praia do Aventureiro e atração dos turistas. (Foto: Deborah Prado)

Turismo aventureiro
Em 1994, o presídio de Ilha Grande foi fechado e, em consequência, as atividades turísticas ampliadas. À época, por ainda estar localizado em uma Unidade de Proteção Integral, a Praia do Aventureiro começou a se estruturar em torno de um turismo que tinha um diferencial: era uma atividade de base comunitária. “Esse tipo de turismo se deu com campings nos quintais das famílias e as pessoas começaram a servir refeições nas suas casas, a alugar quartos, entre outras coisas”, exemplifica.

Com uma renda a mais, o turismo comunitário proporcionou um desenvolvimento financeiro das famílias, mas elas não deixaram de praticar nenhuma das atividades tradicionais, segundo a bióloga. “As pessoas continuaram pescando, fazendo agricultura, artesanato, mas as atividades foram se ressignificando”.

Ela recorda que foram principalmente as mulheres que tomaram a linha de frente no novo negócio. “Como esse turismo está muito vinculado à vida familiar, porque é o camping no quintal deles, o aluguel do quarto da casa, ou de fazer as refeições, quem foi a grande protagonista do processo foi a mulher. Então ela tem um papel-chave na resiliência”.

A aventura da resiliência
Antes da reivindicação, a reserva biológica havia sido um fator de pressão sobre a comunidade, porque ela já não podia mais queimar a floresta para fazer roça, nem ampliar os negócios turísticos. No entanto, Deborah explica que houve uma relação de perdas e ganhos. “A unidade de conservação colocou restrições aos modos de vidas deles, mas também freou a perda da biodiversidade local, a especulação imobiliária e um desenvolvimento turístico de massa que poderia afetar a todos”.

Hoje, a pesca artesanal e o turismo são as principais atividades na comunidade. Mesmo assim, o turismo da Praia do Aventureiro também serviu como um ponto de alerta para o futuro e uma possível perda de resiliência. “O turismo traz dinheiro e o dinheiro traz uma lógica mais individualista. O que eu percebi é que, muitas vezes, nas falas das pessoas, o dinheiro se colocava mais presente do que nas relações de troca e compadrio de antigamente, porque essas relações acabam sendo mercantilizadas e a solidariedade pode se perder”, pondera a bióloga.

Vista aérea da comunidade da Praia do Aventureiro. (Foto: Divulgação/INEA)

O que esperar na política ambiental daqui pra frente?
Bolsonaro disse no vídeo do Facebook ser contrário à demarcação de áreas como unidades de conservação: “Nós queremos é fazer turismo na baía de Angra e outros locais do Brasil e não é demarcar como Parque Nacional, Estação Ecológica, Unidade de Conservação ou seja lá o que for”. Em 2012, naquela mesma baía, o presidente eleito foi multado em R$ 10 mil pelo Ibama por pesca ilegal. No mesmo vídeo, ele nega que cometeu tal crime.

Bolsonaro defende um modelo de turismo que não tem nada a ver com o empregado pela comunidade da Praia do Aventureiro. Bolsonaro afirmou: “Se a baía de Angra estivesse nas mãos de espanhóis, por exemplo, que gostam de fazer turismo, estaria faturando bilhões de reais por ano. Mas não pode por quê? Tudo lá, estação ecológica de Tamoios e tá abandonado”. Tamoios é uma unidade de conservação de proteção integral.

Ele também citou a Ilha do Sandri (RJ), local onde já se ocorre especulação imobiliária, mas segundo o presidente eleito, “Lá tá tudo abandonado. Se alguém quiser fazer uma barbaridade, faz: pesca com bomba, derruba árvore, porque não tem como fiscalizar. Se tivesse um hotel lá explorando o turismo de forma legal, que que estaria acontecendo com toda a certeza? Estaríamos empregando gente aqui da Costa Verde, Mangaratiba, Paraty, Angra dos Reis, levando divisa pros municípios, levando turista e estaria sendo preservada a área, porque a responsabilidade seria de quem tá no hotel e ponto final. Então o turismo preservaria o meio ambiente e não essa forma xiita que o Ibama vem fazendo até hoje”.

Dados publicados pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), autarquia responsável pela gestão de unidades de conservação federais, mostram que em 2015 visitantes brasileiros e estrangeiros gastaram cerca de 1,1 bilhão dos municípios do entorno das unidades. Para Deborah, é fundamental que as populações tradicionais sejam reconhecidas pelo papel de conservação ambiental que exerceram ao longo de décadas, e que explicam a beleza cênica atrativa aos turistas.

Caiçara buscando a rede de espera, usada também na pesca artesanal (Foto: Deborah Prado)

Em tempos de mudanças climáticas e de tantas instabilidades políticas, Deborah lembra que os modos de vida de inúmeras comunidades da zona costeira brasileira, bem como a biodiversidade dessas regiões, têm sofrido os mais diversos impactos por conta da especulação imobiliária, do turismo de massa, da pesca predatória e pelo setor petrolífero. “A Praia do Aventureiro ainda não foi totalmente impactada, ainda que a pesca industrial já atinja os caiçaras de lá”, diz.

Mas é difícil saber o que se esperar daqui pra frente e não dá para prever o que acontecerá com a comunidade da Praia do Aventureiro e tantas outras que vivem em áreas de conservação ambiental. No fim, talvez a resposta esteja justamente na resiliência socioecológica destas comunidades.

Saiba mais:
O projeto de Deborah fez parte do programa de mestrado em Ecologia do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e recebeu orientação da professora Cristiana Simão Seixas. Sua pesquisa foi financiada pelo Edital Capes Ciências do Mar, de setembro de 2009.

A bióloga também integrou o projeto de pesquisa “SinteSIS: Gestão de Recursos Naturais em Sistemas Socioecológicos: Integrando Conservação Ambiental e Desenvolvimento Local”, coordenado pela professora Cristiana e financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que encerrou as atividades em 2018.

Deborah Santos Prado é membro do grupo interdisciplinar de pesquisa, ensino e extensão do Nepam, o CGCommons, que atua desde 2009 na área de gestão e conservação de recursos naturais de uso comum, auxiliando na mobilização de ações das comunidades que dependem de tais serviços. Para saber mais sobre as atuações do grupo, acesse: http://cg-commons.wixsite.com/commons

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Jornalista mato-grossense formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e aluna de mestrado no programa de Divulgação Científica e Cultural da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

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