Por fauno guazina*

“mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era.”

Além do Ponto – Caio Fernando Abreu

  1. Quando me dei por mim eu era eu e me mudei pro mundo a um ponto que era irreversível não ser mais eu, o mundo nunca me conhecera, exceto por algumas janelas que eu chamo de amigos, o mundo só sabia daquilo que eu mostrava a ele, que era exatamente o que ele me pedia que eu fosse, aquele não era eu, chamo ele de reflexo do mundo.
  2. Como eu me mudei pro mundo, ele deu de me estranhar, deu de me dizer bobice, pra eu não me afastar, me disse que eu me perdera que aquele não era eu, que eu era aquilo que sempre fora, aquilo que ele me disse que eu era, daquilo do que eu nem me lembrava que era, o mundo sempre me disse coisas, mas como eu nada perguntei, o mundo não tinha minhas respostas, foi como se de repente eu fosse eu e me desse por mim.
  3. Porque eu me mudei com o mundo, eu dei de não me encaixar, no instante que meu eu se deu por si vi que não tinha encaixe no mundo, que o mundo não tinha encaixes e que os que não eram si próprios faziam o mundo impedir o que eram de continuarem a serem si próprios e se faziam não eus, mas reflexos de mundo.
  4. Onde eu me mudei eu já não sabia, o mundo não era mais onde eu me via, eu habitava meu ser que era e sempre fora eu, tive fome e não a vontade de comer, senti a dor e não o amortecimento, gozei o doce e não o açucarado, me vi desprateado nas falésias do ser, refletir já não havia de ser, eu era eu onde quer que eu fosse.
  5. O que eu mudei em mim foi mais do que eu sei de mim agora, eu lancei mão do desconhecido, mas também da oportunidade, da inovação, da melhoria, do aprender, do crescer, do multiplicar. Eu invadi as minhas terras e não havia nenhum mundo, terra arrasada sem mim pra cultivar meus eus, aos meus olhos tudo floresce e brota agora em mim.
  6. Quanto mais eu planto em mim meu eu, mais fértil e mais janelas se abrem, mas eu nunca deixo de visitar aquela colina distante de mim, nela jaz os reflexos que não eram eu, mas ainda levo flores à sua cova rasa, terra medida, pra que eu nunca me esqueça do cadáver sozinho que encerra a solidão do mundo.

 

*fauno guazina é produtor cultural, designer e professor universitário.

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