Por Isabela Bonilha*

Vivo numa cidade cheia de loucos, e não estou falando daqueles loucos que usam camiseta de banda e sentam em botecos bebendo e fumando sozinhos. Loucos mesmo, loucos de hospício, loucos de jogar pedra (dispenso aqui a opinião dos politicamente corretos e dos questionadores que nesse momento devem estar se perguntando “mas, afinal, o que é ser normal?”, enfim, vocês me entenderam) e uma característica comum a todos eles é esta: ELES ADORAM PERAMBULAR.

Uma das coisas mais raras que existe é vê-los parados, sentados, instalados confortavelmente em uma cadeira ou uma sarjeta que seja. Loucos andam. E muito. E só a alguns dias eu me apercebi deste fato e então comecei a pensar sobre esse simples ato que é andar de um lado para o outro, perambular, vagar, ou simplesmente, movimentar-se.

Você está trancado e amofinado dentro de casa, não há nada pra fazer, nem há ninguém pra quem ligar, então você tem a brilhante ideia de pegar o carro e dirigir, devagar e sem rumo, pelas ruas vazias da cidade. Você está perambulando, de quatro rodas, mas está.

Perdi as contas das vezes em que convidei um amigo para caminhar. Não porquê eu estivesse precisando realizar atividades físicas, mas porque precisava arejar a cabeça, me colocar em movimento. Andando as palavras me saem melhor.

Numa das fases mais difíceis de minha vida, onde eu ia e vinha de uma cidade a outra com muita frequência e a angústia me perseguia sem cessar, a estrada era um refúgio onde de repente os problemas se congelavam, para voltar apenas quando finalmente meus pés se firmavam no chão na hora de parar.

Outro exemplo clássico é o da despedida. Não sei o porquê, mas sempre a considerei um tanto pior para quem fica. Quando se vai, existe um espaço a percorrer, um tempo de movimento entre o partir e o chegar no lugar de destino. A dor do “até mais” só fere de verdade quando enfim, de frente à casa de costume, e à vida cotidiana, com os pés firmados num lugar apenas, nos deparamos com as lembranças que durante a viagem pareciam ter ficado pra trás, e se nos acompanharam, ainda guardavam um gosto de frescor.

Não sei se com todo mundo é assim. Talvez eu tenha um pouco de louca, louca de hospício, louca de jogar pedra, mas o que sei é que: ficar parado incomoda e em alguns casos dói. Em transito, em movimento, perambulando, estamos apenas passando, não há necessidade de pensar, pois todo o chão ao redor é caminho que nos conduz a uma coisa qualquer. O caminho nos conforta, pois nos encaminha, nos põe em trânsito, nos movimenta e impulsiona para algum lugar, mesmo que ainda desconhecido. Perambulando não há obrigação, nem dever, nem responsabilidade. No momento em que se caminha, abre-se uma fenda entre aquilo que foi e o que ainda será, e nada mais que movimentar mecanicamente as pernas é preciso. Andando, as coisas se movem também ao redor.

Doido anda muito, se esgurita, perambula, vagueia mesmo. O triste é não saberem a hora de parar. Vezenquando, tomada por mil angústias, me pergunto: e eu sei? Todavia, não consigo decidir o que pode ser mais triste pra um ser humano lotado demais de si: não saber a hora de parar, ou não ter forças nem para o primeiro passo.

Como dizia o poeta: “Caminante, no hay camino, camino se hace al andar”

*Isabela Bonilha - Formada em Letras Português e Literatura pela UFMT, professora, 
escreve desde os oito anos. Tem um blog que nutre desde os 13: Um Vagabundo e 
as Estrelas. Apaixonada por arte, gosta de pintar, costurar, customizar e 
alterar coisas ao redor, mas se encontra mesmo na escrita. Escreve para espantar 
os fantasmas da Depressão que vem desde a infância. Seu cenário é o Cerrado e a 
cidadinha de Guiratinga, na qual nasceu e foi criada.

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