Por Sika*
As manifestações culturais têm se mostrado cada vez mais presentes nas grandes capitais do mundo, seja em países “desenvolvidos” ou “subdesenvolvidos” economicamente, por assim dizer. E dentro deste universo de cores e sons, há uma repercussão de riquezas que vão além do que qualquer dinheiro no mundo possa pagar: o sentimento, ou ao menos, o senso de saber que isso existe.
Eu penso a arte deste modo. Abrangente. Sem distinção determinante ou até com “preconceito”. No entanto, acredito que há uma reflexão mais profunda para se tratar deste assunto.
Vivo em Cuiabá desde que nasci. Apenas duas vezes morei em outras cidades para viver novas experiências. Apesar de muita gente achar que aqui é uma cidade provinciana “com cara de interior” (o que ainda é, em diversos aspectos), a cidade é totalmente convidativa para estilos musicais e expressões. Afinal de contas, não é a toa que temos fama de sermos hospitaleiros demais.
Por ser uma Capital de um Estado regido pelo agronegócio, consequentemente se tem o que chamo de “agrocultura” (se é que posso usar este termo). Considerado predominante nas regiões.
Para este público, as manifestações se resumem a exposições agros, shows sertanejos ou de artistas que estão em ascensão nas mídias. Marginalizando, assim, as diversas expressões totalmente distintas destas, o que (quase que regra), acabam chocando quem já está habituado com este estilo predominante.
Ainda em Cuiabá, existe um pequeno espaço no Centro Histórico da cidade. Conhecida como “Praça da Mandioca” – pelo fato do espaço já ser usado para feira que vendia mandiocas -, o local já foi palco de diversos picos da nossa história, que vai desde a época da escravidão até os dias de hoje, no qual é ocupado pela população como meio de entretenimento.
Há quase sete anos, frequento o espaço e aprendi a amá-lo não só pelo que ele me proporciona, mas pela sua história. Os casarões antigos com ruas estreitas, já foram cenários de importantes momentos da minha vida e de outras pessoas também. Seja de paixões e amizades cultivadas.
Lembro que sempre quando falava para algumas pessoas sobre a minha preferência pelo lugar, percebia uma reação negativa pelo fato dele ser considerado “perigoso demais” e frequentado por usuários de drogas. Mas, sinceramente, os motivos não serviam de empecilhos para que eu gostasse do ambiente, uma vez que estes problemas se encontram em qualquer canto da cidade.
Alguns anos se passaram, e finalmente o espaço ganhou o reconhecimento merecido. Mas isso só foi possível após muita resistência com saraus, festivais e manifestações espontâneas, que eram realizadas, por vezes, sem uma organização prévia. Se tornando, assim, um dos principais palcos culturais alternativos da noite cuiabana.
Com esta popularização, veio também a chegada de um novo público. O mesmo que já dispõe de diversas casas a cada esquina da Capital e o mesmo considerado “predominante” em Mato Grosso. E, com ele, veio também um sentimento de indignação e falta de respeito com quem que, com muito esforço, fez tornar o local reconhecido.
Confesso que isto contrapõe o meu argumento logo no início do texto, no entanto, é preciso entender que “quando se há monopolização cultural em espaços, rádios e TVs”, é difícil discutir a democratização musical em determinados locais que, no caso, seria a Praça da Mandioca.
Com esta nova manifestação, percebi que estava havendo uma “expulsão velada”, pelo fato do público mais “alternativo” simplesmente deixar de frequentar o lugar por não quererem entrar em algum tipo de atrito com este novo público ou, por muitas vezes, se sentirem reprimidos de se expressarem como anteriormente.
Eu, por exemplo, coloquei um som que gosto em um dos bares. Como de costume. Lembro que era uma música do Buena Vista Social Club, ritmo cubano caribenho que adoro muito. Na mesma hora em que o som saiu pelas caixas, veio um rapaz dizendo que “se fosse pra escutar música ‘alternativa’, ele ficaria em casa”. Sem responder ou qualquer reação, deixei o local com a música tocando. Até que ela foi interrompida, sendo substituída por um sertanejo e aclamado em seguida. Fiquei irritada e indignada pela falta de respeito – coisa que nunca ocorreu anteriormente na praça.
Deste modo, meu gosto por ir ao lugar e me divertir intensamente – como muitas outras pessoas, que gostam destes ritmos da massa, tem a oportunidade de ter nestas casas de shows -, estava se esvaindo. Me senti injustiçada, impedida de poder sair e curtir da mesma forma dentro desta adrenalina, só pelo fato de não gostar destes mesmos ritmos musicais.
Ressalto que não há “preconceitos” ou discriminações. Aliás, acho muito válido que as pessoas possam se divertir com a música. Pois, afinal de contas, ela também está aí para trazer alegria a quem gostar. TODOS NÓS TEMOS O DIREITO DE NOS DIVERTIR. Inclusive, o público “alternativo”. Por isso, acho válido lutar pela reocupação do espaço dentro de um diálogo.
Destaco também que não há um movimento contra estes ritmos populares. Não mesmo! Mas, da mesma forma que é inimaginável eu ir em uma destas casas de show ou até mesmo na “Praça Popular” colocar um Buena Vista Social Club para tocar, pelo fato “óbvio” do estilo não se encaixar no local, creio que isso também se encaixa na realidade inversa da Mandioca. Por isso, esta distinção não deve ser encarada como segregação e, sim, com a ideia de agregar novos grupos e espaços. Até para artistas profissionais terem oportunidade de mostrarem seu trabalho e inspirarem outros a se expressarem da mesma forma.
Mais uma vez: nada contra o ritmo ou quem gosta dele. Mas tudo contra a monopolização do mesmo, uma vez que existem milhares de outros estilos musicais, artistas, performances, entre outros no mundo. Não é possível que apenas um funcione em Cuiabá. E, para mim, a Praça da Mandioca é totalmente convidativa para que todos conheçam este universo que eu e tantas outras pessoas compartilham e cultivam de coração e esperam que outras mais apreciem da mesma forma. Simples assim.
*Sika é jornalista e artista plástica. Já morou em Londres e Porto Alegre, no entanto, para ela, não há melhor lugar no mundo que Cuiabá
Vale a reflexão, principalmente pra nós que estamos sedentos e carentes de cultura, de arte, de diversidade. Vamos pensar em ocupacoes de nossos espaços publicos, a Mandioca foi revitalizada por estes coletivos de artistas que acreditam na disseminaçao de arte acima de tudo, exemplo o Sarau das Artes Free, que la em 2010/2011 começou a levar musica, arte, intervencoes para um lugar considerado perigoso. E já sao seis anos desta história. Aquele embrião germinou e culminou em muitas outras iniciativas que se mantém apesar de todas as dificuldades, como o Gran Bazar! Vamos refletir gente, Cuiabá carece de manifestacoes culturais e artisticas, somos muito ricos em nossa diversidade, em nossa arte e muitas vezes nao temos conhecimento, pelo simples fato de que o acesso é dificil. É preciso sair da zona de conforto e procurar, garimpar, nossos tesouros estao escondidos pois esta luta é diaria, é preciso reconhecer o tamanho esforço destes artistas que mesmo sem valorizacao e reconhecimento, continuam a produzir, por que precisam, arte é necessidade, é ar, é essência. E la na Mandioca tive a oportunidade de conhecer inumeros artistas, em um intercambio cultural que fortalece a nossa consciencia da importancia de se consumir arte. Este caminho da cultura é o caminho das pedras, e desculpa, mas é só para os fortes de coraçao.
São todos golpistas, machistas e homofóbicos.