Por Larissa Araújo*

precisamos falar sobre machismo!
ontem, carnaval, sai de maiô pro bloco.
sim, só maiô.
tava confortável e me sentia linda.
sentimento de libertação.
em vários aspectos.
usei maiô todos os dias de carnaval,
mas sempre com um pano amarrado na cintura.
não necessariamente pq queria, mas já no subconsciente, pensava em me cobrir.
ontem, último dia de carnaval, coloquei um maiô, lindo!
preto com umas manchas rosas, parecia uma galáxia.
‘ah, a parte de baixo do maiô é meio que um short, não é tão cavado, acho que tá tudo bem’ (tudo bem pra quem? começa por aí).
sai de casa.
maiô, pochete e um tênis bem velho.. pronta pro carnaval.
car-na-val. todo mundo fantasiado, eu não quis me fantasiar, pra mim, maiô e glitter estava maravilhoso,
sai de casa.
me sentia confiante,
mas ao mesmo tempo receosa.
não sei bem definir como me sentia.
sai.
a cada rua que passava, olhares, comentários, nojentos.
levantava a cabeça e seguia firme.
mas um pouco daquilo ficava dentro de mim.
aquelas palavras, me doíam.
cheguei no bloco.
em momentos diferentes, homens passaram as mãos nas minhas pernas.
dei 3 tapas na cara.
homens diferentes.
tapas e gritos,
‘não toca em mim’
‘não é porque eu to de maiô que vce pode encostar a mão em mim, eu não te dei essa liberdade’.
a noite seguiu, o bloco continuou, uma hora acabou.
e fui para um barzinho, o mesmo bar que tinha ido no dia anterior, e que tudo havia ocorrido bem.
antes de ontem, eu de tutu, um pouco acima do joelho.
recebia olhares, mas eram diferentes.
ontem, foi diferente.
foi nojento.
por duas vezes, em momentos diferentes da noite,
olhei para os lados,
e senti de me abrir com as manas que estavam por perto,
mulheres que eu não conhecia,
mas senti de me abrir,
desabafar aquilo.
elas me abraçaram,
me disseram que sabiam exatamente o que eu sentia,
e pra eu não me sentir assim,
que eu estava linda,
que eu não estava só,
e que tudo estava bem.
outros momentos e situações aconteceram,
num momento, uma mulher falou pra mim:
‘você é corajosa’
porque? – eu perguntei.
‘por sair de casa assim’
– assim como?
‘pelada’
– ué, mas eu não tô pelada, to de maiô.
então na praia eu não estaria pelada, estaria ‘devidamente’ coberta, mas aqui, agora, pra você, eu tô pelada?
tem fantasia de tudo quanto é tipo aqui,
cada um na sua brisa, do jeito que quiseram se vestir pro carnaval,
do jeito que quiseram sair de casa,
todo mundo bem,
e eu, de maiô, tô pelada pra você?
– (e o que você ou qualquer pessoa tem a ver com a forma que eu quiser me vestir?)         – pensei, não falei.
sai de perto, devia ter continuado a conversa,
indagado.
mas nessa hora já estava muito cansada para sentir e enfrentar aquilo.
de corpo e alma.
só sai de perto.
muitas coisas, momentos.
carnaval foi lindo sim,
e eu to bem,
foi bom,
mas meu coração dói.
dói, porque o machismo existe, é nojento e mata.
os momentos em que passei e a forma que me senti, não estão certos.
não estão certos porque eu tenho direito de me vestir da maneira que eu quiser.
no carnaval, no dia a dia, quando eu quiser.
errado são os olhares maliciosos
(e não venham me dizer que eu ‘queria provocar’,
que sai de casa ‘pedindo’ para ser olhada,
que eu estava ‘pedindo’ pra passar por isso).
ta tudo errado, ta tudo ao contrário,
a cada olhar, não pensava só em mim,
não sentia só a minha dor,
sentia a dor de todas as mulheres,
de cada uma delas,
eu e minhas pernas finas, ‘bixo-grilo’.
a mulher com as pernas grossas, malhadas
a mulher com as pernas tatuadas
a mulher de maiô
a gorda
a magra
a preta
a branca
a mulher
de maiô,
de blusa e calça
de short
de burca
na rua,
em casa,
no carnaval,
todos os dias
livre,
mas presa
com o coração doendo
por sentir tudo isso,
terça-feira,
e todo os dias.
basta!

*Larissa Araújo é andarilha das estrelas, bicho-grilo que leva poesia por onde vai. 
De formação é publicitária, mas descobriu nas palavras novos sentidos para 
transformar a si e ao mundo.

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