Por Clarisse Medeiros*
Sentada no sofá, ela observava aqueles pés inquietos balançando na cadeira da escrivaninha. Já havia se passado horas que tinha levantado e até agora nenhum “bom dia”.
Nem o barulho repentino da televisão ligando ou o miado do gato pedindo comida ou o cheiro do café quentinho havia chamado a atenção para sua presença ali.
Era assim quase todos os finais de semana. Era assim há 7 anos. Por que só agora passou a soar estranho, incômodo e até mal educado? Nada mudou!
Passou a se culpar. Afinal, foi decisão sua aceitar que ela precisava desse tempo “em paz” para aqueles projetos particulares. Caberia reclamar agora? Depois de tanto tempo?
E se coubesse e ela mudasse? Será que queria mesmo aquela companhia?
Lembrou de todas as vezes em que se sentiu incomodada por não poder colocar seus próprios planos em prática porque a companheira não tinha nenhum projeto particular naquele dia.
– Será possível que tudo tem que acontecer no seu tempo?
Mas isso também era recente. Tempos atrás, dias assim eram sinônimo de alegria.
– Finalmente um tempo para mim. Um tempo para nós!
Percebeu que o incômodo de agora era, na verdade, consigo mesma. Havia brotado do fato de ter se deixado acostumar a viver sozinha. Do fato de se deixar gostar de viver sozinha.
Se viu sem argumentos para si mesma. Como, então, justificar para a outra um “quero que vá embora”? Nada mudou!
Mas alguma coisa tinha mudado. E incomodava.
*Clarisse Medeiros é contadora de histórias.