Por Antonio Torres Montenegro*

Uma semana após o violento ataque que William sofreu, ao ser agredido pelas costas por um brutamontes, a feira de produtos orgânicos na pracinha do primeiro jardim de Boa Viagem em Recife, onde atendia como lavador e guardador de carros, não parecia a mesma.

Conheço William há dez anos, quando eu e Regina passamos a frequentá-la. Este é uma figura que se destaca, pelo aspecto físico, muito alto, magro e de andar vagaroso como se o peso dos 61 anos e da extrema pobreza tivessem se tornado marcas visíveis em seu corpo. Sua voz rouca, lembra a de barítonos e se houvesse nascido em outras plagas ou em outra classe social, a carreira de cantor poderia ter se oferecido.

Foi também nesse período que descobrimos que nossa ex-funcionária Neide era irmã de William. Semelhante na cor, mas distinta na altura, Neide ainda jovem foi alcançada pelo glaucoma, e perdeu um olho. No entanto, isto não a impediu de aprender a ler. E mesmo tendo trabalhado toda a vida, sobretudo, em casa de família, só teve o INSS pago nos dez anos em que trabalhou em nossa casa, interrompidos para receber seguro benefício, por conta dos problemas na vista, e de um joelho com artrose que a dificultam caminhar. Isto a impede, aos 64 anos de requerer sua aposentadoria, pois são necessários 15 anos de contribuição.

A preocupação com o futuro do irmão, que nunca teve carteira assinada, era uma constante em conversas de Neide, sobretudo aos sábados quando, ao voltar da feira, trazíamos algum recado de William, ou saudações fraternais.

O jeito despreocupado do irmão, segundo a irmã, refletia na própria saúde, pois “nunca fez um exame preventivo de nada”, embora reclamasse de dores. E assim, se comportava William, com sorriso indecifrável no rosto, quando seus parceiros lançavam pilhérias sobre o seu amado Santa Cruz. E mesmo os eventuais concorrentes que tentavam colher alguma moeda como flanelinha da sua habitual clientela, nunca o vi aborrecido, pois dizia, “Deus dá para todos”.

E surpreende descobrir no criminoso evento, no qual William foi tragado, a solidariedade. Primeiro, dos moradores do prédio, em cuja calçada foi barbaramente agredido, que disponibilizaram para a polícia a gravação da cena de covardia e racismo; segundo, a imediata ação da polícia intimando o agressor e sentenciando-o como foragido até este ser coagido a se entregar; terceiro, a maravilhosa rede de solidariedade que se formou com apoio da imprensa e das redes sociais. Afinal, vivemos outros tempos históricos, embora alguns insistam em não compreender.

 

Antonio Torres Montenegro. Prof. Titular do Departamento de História (UFPE).
Publicado no Jornal do Commercio em 10 de janeiro 2019.

 

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here