Por Luiz Renato de Souza Pinto*
Os tempos mudaram, quem diria! Entre os programas da Rede Globo de Televisão são anunciados diversos produtos da cadeia midiática do megalomaníaco grupo de comunicação. Chamou-me a atenção o lançamento do primeiro disco dos Novos Baianos, “Acabou Chorare”. A propaganda traz os componentes em conversa informal falando de coisas de seu tempo, dos áureos tempos de juventude transviada. As rugas no rosto de cada um deles são fragmentos de uma história bem vivida, de lembranças de que bons tempos já houve neste país.
Não pensem que esse discurso é saudosista, ou que venha revestido de um niilismo pós-moderno, de ultradisfarces do contemporâneo desajuste social, ou coisas do tipo. É apenas um jeito de corpo, no dizer de Caetano. Estive na Bahia e tenho que falar de algumas dessas coisas. Da falsificação do acarajé, aquele bolinho delicioso, que do lado de lá da ponte, em Pernambuco, já leva catchup no acabamento. De Petrolina a Juazeiro, no embalo das canções de muitos intérpretes da região, percebe-se a riqueza musical que vai além de João Gilberto, Ivete Sangalo e Geraldo Azevedo.
Fiquei dois dias em Juazeiro, outros dois em Curaçá, e é de lá que quero falar. De uma cidade que está à míngua, sem geração de emprego e distribuição de renda; que encontrou na exploração de minérios uma tábua de salvação (?). A fruticultura irrigada vai ganhando espaços na periferia e o centro vai adernando, à deriva de um coronelismo da atualidade que toma conta de minúsculos municípios brasileiros, de norte a sul, de leste a oeste e que traz mão de obra de outros estados, a despeito de moradores dos arredores.
Pude assistir também, de quebra, a um espetáculo performático-teatral-musical, no dia anterior (29/12) no calçadão da cidade. Claro, após a novena realizada na igreja matriz. Nada acontece enquanto a reza estiver acontecendo. O espetáculo teve a duração de aproximadamente 50 minutos. “A vida, a morte e a morte de Potoca” lembrou aspectos da vida de uma moradora ilustre, porém humilde da cidade, falecida em virtude de um acidente de trânsito. Potoca era doceira de mão cheia e seus quitutes eram famosos em toda a cidade. O título do espetáculo nos traz à lembrança a obra do também baiano Jorge Amado; Quincas Berro d`Água ( A morte e a morte de…), afinal de contas tudo é Bahia.
No lugarejo não há muito o que fazer. Os passeios limitam-se ao entorno da cidade, à contemplação das águas (cada vez mais rasas) do rio São Francisco e seu bucolismo. O sertanejo universitário invadiu os domínios do forró e o que se percebe é o grande mal que a globalização tem feito ao uniformizar os procedimentos em todo o planeta.
Paulinho Boca de Cantor dizia, já nos anos 1960 que “poeta é quem se considera”; o cearense Chico Anísio e o pernambucano de Serra Talhada Arnaud Rodrigues brincaram com o grupo quando criaram Baiano e os Novos Caetanos: “Vô bate pa tu batê pa tu, pa tu batê/ pamanhã ocê num vim dizê/ que eu num bati pa tu pa tu pode batê”. O caso é esse, até mesmo o mundo da sátira, do riso fácil hoje está meio sem sentido.
No meu caso, diferente no Gilberto Gil, não foi o estado em que nasci que me deu o conhecimento de vida, escolar, além do ensino médio. Foi Mato Grosso que me deu régua e compasso, ferramentas que procuro utilizar em prol do bem comum, na sala de aula, ou na ponta dos dedos digitando minhas elucubrações. Deixa eu parar por aqui porque foi lembrar da Bahia que me deu uma preguiça, uma vontade de parecer aquele personagem do Mário de Andrade que só aprendeu a falar aos seis anos de idade e gostava mesmo era de brincar com a Sofará. Como era mesmo o nome dele?
Luiz Renato de Souza Pinto é poeta, escritor, ator e professor.