Por Luiz Renato de Souza Pinto*

No dia 06 de maio de 1984, o (falecido) Jornal do Dia, que funcionava no bairro Boa Esperança, próximo à estrada do Moinho, publicava um encarte especial intitulado CARNAVAL CUIABANO que trazia ampla cobertura de um concurso de crônicas produzido pelo jornal. O suplemento trazia a palavra sempre precisa de Marilia Beatriz radiografando a produção literária local, depoimentos de estudantes secundaristas, como de pessoas comuns da cidade com seu olhar para essa manifestação folclórica de nosso calendário.

Divulgava-se também no encarte a relação dos dez candidatos pré-selecionados para a disputa do prêmio, que elencava os nomes de Sônia Maria França Moreno, Luiz Geraldo Marchetti, Maria Adelina de Amorim, Mário Olímpio Medeiros Filho, Vilela Montanha, Maria Benedita Deschamps Rodrigues (DUNGA), Adir Sodré, Ivens Cuiabano Scaff, José Pedro Rodrigues Gonçalves e Carlos Gomes de Carvalho.  Consegui figurar ao lado dos concorrentes, com menção honrosa, “pelo minucioso trabalho de levantamento histórico, documentado em seis crônicas”. Organizado pelo jornalista Dielcio Moreira, o certame teve como jurados Marília Beatriz Figueiredo Leite, Mauro Cid e Ricardo Guilherme Dicke.

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Carnaval cuiabano, 1928

Procurei retratar em minhas crônicas uma visão diacrônica dos festejos de Momo na capital do estado e as dividi da seguinte maneira: Do entrudo até meados da década de 20 (crônica 1) , No governo Mário Correa (crônica 2), Do ano de ouro à Segunda Guerra (crônica 3),  Fase Pós-Guerra (crônica 4), Da decadência ao ressurgimento popular (crônica 5) e A Atualidade – 1980 a 1984  (crônica 6). Sempre gostei das relações entre a literatura e a história. Na época, acadêmico do curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso, andava mesmo é grudado na turma de Letras, da qual faziam parte meus parceiros Eduardo Ferreira e Antonio Sodré, como também Mario Cesar Silva Leite, Luciano, Clara e muitos outros.

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Dunga Rodrigues

Vejam que na lista dos concorrentes havia figuras interessantes do meio cultural e particularmente literário. Ivens Scaff, Vilela Montanha, Carlos Gomes de Carvalho e Dunga Rodrigues, o que por si só dava certo peso ao evento. Pois quem venceu a batalha foi o artista plástico Adir Sodré, provando seu valor multimodal desde aqueles anos 1980, quando o próprio já brilhava no cenário das artes plásticas em nível nacional, já despontando em carreira além mar.

Folheando agora o caderno do Jornal do Dia vou saboreando outras informações da época que ressignifico no momento. Simone de Jesus Padilha, por exemplo, que foi minha professora no curso de Letras da UFMT tempos depois, assinava o texto Ismênia, Ismênia, Ismênia com a informação curiosa para o momento: estudante da Escola Técnica Federal de Mato Grosso, onde hoje, sob o nome de Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT), eu leciono. Em Festa Magna da Caridade, o vencedor do prêmio vaticinava:

A mão crua deslizou lentamente, acionou um botão, mais outro botão e, de repente, com um murro duro e seco como a morte, a caixa de imagens se fez em 1000 estilhaços… Piná, a mulata, morreu sufocada. A mão saiu correndo pela cidade levando num saco de estopa as saudades de um tempo. Cajus e mangas se copulam e vomitam de prazer. É a apoteose.

(…)

Uma agulha de laser explode no ar. Um rock de Rita Lee num ritmo sambático… A viola de cocho foi assassinada. (SODRÉ,,1984, p. 4).

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Adir Sodré, multiartista

Adir parece preconizar uma espécie de grito do rock que já há algum tempo se oferece como alternativa cultural e artística para o período. Nem todo mundo é de samba, o que não significa ser ruim da cabeça, ou doente do pé.  O carnaval ainda toma conta do imaginário popular, mas é nítida a mudança de paradigma na cultura popular, cada vez mais sob a intervenção de uma indústria cultural que vai destruindo a diversidade do país.

Os carnavais de rua parecem ganhar musculatura nos últimos anos. Creio que cada região de país tem suas especificidades. Não vejo porque se copiar o modelo carioca, uniformizar as escolas de samba se podemos observar riqueza em manifestações típicas de cada lugar. Em Guiratinga, por exemplo, os caretas são um show a parte. Os mascarados de Poconé, verdadeira identidade pantaneira, cumprem seu papel de envolver a comunidade em torno de uma representação cultural de longa tradição.

Ainda bem que em Pernambuco, por exemplo, frevo, maracatus e caboclinhos resistem às micaretas que envolvem o pagode, o axé, até mesmo o sertanejo universitário – dublês de pop para em novas embalagens continuar vendendo velhos produtos. Só que não! Como diria Caetano Veloso, há algum tempo, é só um jeito de corpo, nada mais. Cada um em seu sua forma geométrica preferida. A soma do quadrado dos catetos, hipotemusa do samba agradece, e pede passagem.

REFERÊNCIAS

SODRÉ, Adir. Festa Magna da Caridade. In: Carnaval Cuiabano. Jornal do Dia MOREIRA, D. (org.) Cuiabá: 1984, p. 4.

*Luiz Renato de Souza Pinto é poeta, escritor, ator performático e professor.
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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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