Instigado a participar do debate sobre circulação e consumo de produtos culturais e obras de arte e afins, promovido pelos organizadores do evento Dia Mundial do Rock, em Cuiabá, fui para o campus da UFMT, com uma programação em minha cabeça que envolvia a participação dos secretários de cultura de Cuiabá e de Mato Grosso além do pró-reitor Fabrício Carvalho, um time de peso. Então, fui curioso, ansioso por novidades, novas propostas, novas ações acontecendo nesse campo tão difícil dos trabalhadores da cultura e artistas em geral. Evidentemente, esperava a participação efetiva de músicos e agentes que fazem parte da cadeia produtiva da área. Mas quá!

Ao chegar ao Centro de Cultura da universidade federal, de cara já encontro um velho conhecido dos debates, o Paulo Traven. Foram muitos os debates que participamos ao longo de décadas e tasquei um pensamento sacana: putz, tudo de novo! As caras iam desfilando em minha frente e a mente viajando por longas jornadas com praticamente as mesmas caras, dos mesmos participantes, sempre assim, que desânimo. Pouquíssima gente, encontro Lidiane Barros e, rindo, dissemos, caramba, não tem ninguém. Esvaziei-me como papo de anjo, bola de balão. Mas vamos lá.

Quebra essa formalidade! Digo ao ver a disposição da mesa. Você está convidado para a mesa, mesa? Que mesa? Não topo.

Então faz uma roda, um encontro mais solto, menos formalidade, por favor!

Sento-me, ou melhor, largo-me ao chão e passo a pensar no tema de forma evasiva ainda. Vai chegando um, vai chegando outro, e por incrível que me pareceu, já somos mais de vinte, e tinha velhas e novas caras. Maestro Fabrício Carvalho, que não consegue tirar o maestro do nome para dançar sem a batuta, também chegou. Umas caras curiosas e jovens olhavam de longe. Pensei que tinha errado em minha avaliação inicial, ainda bem! Tem cara nova no território pegajoso, considerado perigoso, da cultura, da arte. Dessas coisas mais sensíveis que são capazes de mexer com as estruturas. Por que sabemos que mexem nas estruturas do ser, moldando a fortaleza, capaz de se defender, com liberdade e autonomia.

A força está em nós, não canso de repetir, não há mistério, a força é nossa. É só compreender aceitar e designar sua energia para isso, para viver assim.

A liberdade de expressão como meio básico para qualquer democracia, precisa de estruturas públicas de difusão do conhecimento da informação. Que não sejamos apenas peças quebradas de um mercado abusado e centralizador.

Foto: Lívia Viana
Foto: Lívia Viana

Sem medo de falar de amor

É preciso perder o medo de falar de amor, de parecer maricas, de parecer frágil, que nada, isso fortalece e muito. Ninguém trabalha e sobrevive no meio cultural e artístico se não for por amor à causa. A crença nisso, ou sua falta de jeito para fazer outras coisas, enfim, velho, ou melhor, jovem, é alto risco e altíssima dificuldade. Mas não se assuste, em todo lugar você vai encontrar isso, não é fácil mesmo, nada é fácil. A vida é um sufoco permanente, é uma luta constante e traiçoeira, pois não existe uma verdade ou um lugar só, para você se proteger. O circuito é puro curto!

Desculpe as brincadeiras, mas é isso. Era dia de debate e reflexão e conversa e troca. Compartilhamento de experiências, e tudo isso de sentar e conversar. Ulysses Samaniego e Cristiano Coringa Nakazato, que vêm produzindo eventuais movimentos no rock’n’roll, encararam a tarefa de comemorar o Dia Mundial do Rock em grande estilo e programaram uma série de ações visando discussão, formação, produção de conhecimento, oficinas, tudo caminhando para culminar em um grande show na Arena Pantanal, com um elenco que abrange o Centro-Oeste.

Tudo isso é projeto, é plano. A gente vê que nem tudo dá certo, tudo caminha aos trancos e barrancos, sobra heroísmo nos caras que fazem a correria. Falta recurso, você vai aqui e ali em busca de patrocínios, formas de financiamento público, tudo é difícil, a burocracia atrapalha, o mercado vê com desconfiança.

No convite para o bate-papo, a chamada pela imprensa em geral, participariam, o secretário da cultura de Mato Grosso, Leandro Carvalho, que não compareceu pois estava em Brasília; Alberto Machado, secretário da cultura de Cuiabá, e o produtor cultural Mário Olímpio. Mas, cadê os caras? Ninguém veio???

Chegou o Paulo Traven, o Rafael Mazzeto, da secretaria de cultura de Mato Grosso, daí o Fabrício Carvalho, Claudio Machado, que veio para dar uma oficina sobre empreendedorismo na internet, do Rio Grande do Norte, e outros artistas e produtores foram chegando, Carolina Barros, Julianne Moura, Caio Mattoso, Dj Spinha, Rodrigo Canto, Lívia Viana, Lidiane Barros, e vários outros, e o papo rolou.

Mas acho importante, os secretários participarem, questão de troca mesmo, de ouvir e sentir na pele as diferenças entre as realidades que são muitas aqui na Capital, em Mato Grosso, no Brasil. Sentir mais as pessoas. É preciso se aproximar das pessoas. Por sorte o Claudio Machado lá do RN me aliviou do sentimento que estava rolando, o de achar que o mal da desmobilização estava rolando só por aqui, mas não, esse esvaziamento, essa desolação dos que estão participando dessa construção toda, é uma realidade que acontece por outros lugares do país (apesar de que isso não alivia nada). É um diagnóstico claro da descrença na política, de que as discussões resultem em algo prático, que a participação das pessoas em busca de um projeto coletivo seja efetiva.

Foto: Lívia Viana
Foto: Lívia Viana

Finalmente a conversa fluiu e fluiu bem, e falou-se de muita coisa, ideias, trajetórias, exemplos, práticas, formas, fórmulas, confusões, discussões mais ríspidas, enfim a conversa rolou entre as quase trinta pessoas que ali estavam. E a coisa foi longe, se estendeu para o dobro do tempo previsto, mais que o dobro. Uma conversa que, de tudo, nada há que se jogar fora, pois foi conversa séria e importante demais. Se quisermos mudar a situação de uma sociedade, de um estado, de uma nação, o jeito é esse, sentando e buscando os melhores caminhos, lutando por aquilo que nos interessa, que queremos para nós e para o futuro desse lugar.

Muito se falou, mas não existe solução fácil para nada. Trabalhar com cultura, ou no caso, com a música, é tarefa árdua, é preciso muita gana, muito estudo, muita dedicação, entrega mesmo. Além disso é preciso buscar maneiras de bancar tudo isso, trabalhar, fazer circular, criar produtos, alargar suas habilidades e capacidades, inventar maneiras de trabalhar. A ideia de sucesso e de carreira ainda está muito calcada nos modelos antigos. No mainstream, ou na ilusão de um grande estouro, seja o nome que se der. Na realidade é preciso entender essa trama que envolve vários atores.

É preciso falar de democratização da comunicação, o acesso livre à informação. A lógica que domina a comunicação é perversa: dominação e concentração de poder. É preciso falar de financiamento público, de mercado, de consumo, de acesso. É preciso falar de tantas coisas e as pessoas estão sem paciência, sem vontade, sem projeto, sem desejo, anestesiadas pelas circunstâncias políticas que escancaram a falência sistemática de seus velhos modelos. Para se fazer a nova política é preciso mudar a maneira que o jogo vem sendo jogado. O sistema é excludente, manipulador, é mantido sob o jugo do poder econômico e midiático.

Mas os tempos são outros. É preciso inovar, buscar alternativas fora dos meios mais tradicionais. Sempre defendi que existe vida além dos editais de cultura. Criou-se um vício aí que é muito nocivo para o processo. Tem uma leva de artistas que estão estritamente vinculados à propagação de editais. Não exigem de si mesmo um esforço no dia a dia, na tarefa árdua que qualquer arte exige do sujeito para se tornar bom naquilo que faz. O que vemos é gente que não tem uma atitude de empreender energia e esforço na criação, no estudo, na pesquisa, no desenvolvimento de sua arte ou qualquer que seja seu fazer. Só produzem com vistas a concorrer a recursos públicos com idéias que são, muitas vezes, frutos de arranjos superficiais, aquém daquilo que se espera de um criador.

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