Elisama Mendes de Moraes
A riqueza das possibilidades de se falar de um livro como Jamais Serás um Dhimas Draumann são várias, afinal, como diz o autor, é “obra de uma vida”. São quatrocentas páginas nas quais o autor, Emildo Coutinho, discorre, sem ordem cronológica, sobre sua infância, adolescência, os quatro anos de formação acadêmica em jornalismo e nas mais de duas décadas e meia em que atuou na profissão em Curitiba e na região de Washington D.C., capital dos Estados Unidos.
Trata-se de um romance, no estilo autoficção, quando o autor fala de sua vida, experiência, porém misturando acontecimentos reais com ficção, seguindo o gênero romance. Para isso Emildo Coutinho usa dos pseudônimos irônicos, porém totalmente reconhecíveis, especialmente para os envolvidos na história, para dar uma pincelada de irreverência ao tom nostálgico da narrativa.
Seguindo o conselho do escritor russo Leon Tostói, que afirmou “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia” o jornalista vai até onde viveu os primórdios de seus anos, no noroeste e no oeste do Paraná. “O interessante é que nasci em uma cidade chamada Monteiro Lobato, hoje apenas Lobato e cresci em outra chamada de Assis Chateaubriand, isto é, um escritor e um jornalista”, diz ele.
Ao lembrar desse período, já vivendo nos Estados Unidos, e tomar conhecimento do jornal para o qual posteriormente escreveria em inglês, diz no livro:
“Quando me deparei com o The Beltsville News, pela primeira vez, por volta de junho ou julho de 2000, vi todos aqueles textos devidamente assinados, cujos nomes eram precedidos pela preposição by, perguntei a mim mesmo se, oxalá, algum dia meu inglês estaria apto a isso; ou, ainda, se porventura, algum dia encontraria tal oportunidade.
E ela veio.
Não sem algum tipo de dor, de preconceito, de humilhação.
Oras, por que em terra estrangeira seria diferente? Depois de alguns meses praticando o inglês diariamente, ouvindo rádio a cada entrega de pizza em meu carro, resolvi arriscar e escrevi um texto para o jornal.
Enviei via e-mail, para o editor, Ted Ladd, pedindo para que lesse e revisasse. Fiz um tanto quanto da mesma forma que, quando adolescente, entregava no jornal A Região, em Assis Chateaubriand, os poemas e textos que, descarada e ingenuamente, plagiava.
Entregava e praticamente saía correndo; às vezes pedia para alguém entregar; a vergonha não era porque plagiava, mesmo se os tivessem escrito, como, algumas vezes, algumas linhas, o fazia, também teria vergonha.
No fundo, até hoje penso, escrever é vergonhoso, é humilhante.
A escrita e o jornalismo parecem realmente ser meu carma. Talvez seja algo de berço, místico, entende? Nasci no Dia Nacional do Livro, em uma pequena cidade chamada Lobato, de Monteiro Lobato, e cresci em outra chamada Assis Chateaubriand, nome do grande jornalista. Nesta última, geralmente no dia seguinte, após a patética entrega de meus textos no jornal local, eles apareciam publicados, assinados por José Renato Ribeiro.
Orgulho! Contentamento!
Como era bom ver meu nome grafado logo após o texto, impresso naquele papel amarelado. Recortava cada um deles, me esquecendo que se tratava de cópia, de mistura de textos extraídos de músicas, poemas e romances”.
O livro fala sobre o jornalista José Renato Ribeiro que, a partir de notícia sobre o ministro Dhimas Draumann, que abandonara a Secretaria de Comunicação Social da Presidência, em plena crise política do Governo Federal em 2015, lembra de toda sua trajetória profissional nos jornais e empresas de comunicação em Curitiba e em Washington D.C. “Além da oportunidade de escrever em inglês, vivi o drama do 11 de setembro; morava a quarenta minutos do Pentágono, que também foi atingido por um dos aviões”, recorda o autor.
Entre as mais diversas experiências no jornalismo, lembra o fato que também faz referência ao título do livro, quando na redação de um dos maiores e mais antigos jornais da capital paranaense, até então, é desprezado e humilhado enquanto ouve do editor – Dráuzio Dalhe Canetta – que pelo vespertino havia passado um Dhimas Draumann e, no momento, outros supostamente grandes profissionais, devidamente substantivados, atuavam na empresa.
Enfim, lugar no qual não havia espaço para um José Renato.
Jornalistas, escritores, artistas e políticos são alguns dos personagens do romance. Entre eles a esperta Arleth Souza, da revista Olha, que rouba a pauta do jovem recém-formado, e emplaca matéria em edição nacional; Amélia Maria, de tradicional família em cujas mãos estão parte do monopólio dos meios de comunicação de massa do Estado, que publica matéria como se não houvesse um autor.
E muitos outros.
Inclusive mortos – Wilcon Sueno, Arlêncio Davier – e políticos como o deputado federal Loacir Pascholetto, cuja morte foi o assunto mais comentado nas redes sociais em 2012.
Com um texto repleto de coloquialidade, monólogo interior e fluxo de consciência, Emildo Coutinho não poupa a si mesmo no texto. “Quem escreve tem que se expor, não há outra forma, caso contrário a narrativa fica demasiadamente policiada, artificial, sem vida”, opina ele.
Desta forma, Jamais Serás um Dhimas Draumann é também um romance sobre dramas pessoais, familiares, amorosos e uma reflexão sobre o ato da escrita e da criação literária. O capítulo 3, por exemplo, é aberto com a fala de uma personagem dizendo “escrever dói Zé, pare com isso. Já que diz não saber fazer outra coisa, fique com a redação das notícias, com o quem-quando-como-porque dos lides, que bem ou mal é o que tem te sustentado, junto com os anúncios dos jornais que publica, e desista dessa dor que te consome. Dessa famigerada coluna na qual discorre sempre sobre o mesmíssimo tema. Cê parece um moribundo, Zé, tem horas; um zumbi desses das minisséries norte-americanas. Sim, cê parece um morto-vivo que coleciona rancores, dores e pesadelos. Nem cicatrizes cê tem. O que tem são feridas abertas mesmo, que sangra constantemente – todo o instante –, formando um sangue coagulado nas bordas”.
O livro também faz parte de uma dissertação de mestrado que o autor elabora junto à Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), na linha Estéticas Contemporâneas, Modernidade e Tecnologia. “Analiso romances que, de uma forma ou de outra, abordam o mesmo tema, isto é, a perda da ilusão com o jornalismo diante do que ele realmente é: uma indústria como outra qualquer, comprometida com o capitalismo e com o lucro através da venda de um produto”, diz o autor.
Emildo Coutinho conta outra coincidência interessante: seu orientador na UTFPR, Marcelo Fernando de Lima, analisou a obra do poeta e juiz Sérgio Rubens Sossélla, que, na década de 1980, atuou profissionalmente em Assis Chateaubriand. “Fiquei sabendo disso quando já estava no programa da pós-graduação”, diz ele. “Para mim tais coincidências são muito interessantes. Me lembro que, quando adolescente, peguei uma revista da cidade em que havia um poema de Sérgio Sossélla e a forma da escrita chamou muito minha atenção. Por ser juiz, ele morou pouco tempo na cidade, logo foi transferido novamente, mas ficou esse momento na memória. Saí de Assis Chateaubriand, fiz jornalismo em Ponta Grossa e eis que, em Curitiba, depois de décadas, tenho como orientador o cara que analisou aqueles poemas que vira quando adolescente”.
Elisama Mendes de Moraes, é professora de inglês-português na rede pública paranaense e professora particular de música. Pós-graduada em literatura de língua portuguesa.