Por Glauber Lauria*
I
Mar para essa alma
que espessa rara
de branca espuma vassala
arqueja
enquanto é arrastada
Mar para essa nau
de madeira clara
que enquanto a vaga assola
canta
ária constelada
II
Não
nau em frangalhos
assim mesmo não me retém o porto
arrojo-me às vagas
posso ainda ser
em seu bojo sepultado;
de lastro
antigos livros
cordas alcatroadas
barris de álcool;
trêmulas, vão as mãos ao leme atadas
não temo das sereias os Cantares
Circe e Caríbide em nada me abalam
não singro o mar a Ítaca
Penélope casta não me aguarda
tampouco busco Dublin
ou alguma Molly Bloom depravada
abstive-me de Dedalus e Telêmacos
tenho no corpo, os órgãos desencontrados
minha tripulação, transformada em porcos
enquanto um cego Polifemo atira-me pedradas;
não
esta nau quer sempre
ir de encontro a algo vago
enamorada do sublime
de posse do astrolábio
só fita estrelas tristes
só encontra flores alquebradas;
sobre o mastro pássaros
são sua insígnia aérea
no porão os ratos
cevam-se com víveres estragados
desfiz-me de moedas de ouro e prata
no convés jazem os canhões abandonados
não mais me diverte o saque
abandonei a sanha dos assaltos
passo ao largo de outros barcos
e singro, solitário como um capitão Ahab
procurando uma Moby Dick inencontrável;
tritões e náiades seguem-me
belezas a velarem-me o resguardo
e o próprio Netuno
na proa encarapitado
ergue seu tridente
para fazer a procela oscilar os mares
borrascas divertem-me
tempestades me agradam;
talvez procure a cadeira Gild-Holm-Ur
depois de ter sobrevivido ao escolho Douvres
ver partir aquela que amei
enquanto silenciosa a água afoga-me
como Jonas
escapei a baleia
só para dizer
que deus é uma piada
Helesponto, Málaga, Sumatra?
não sei se busco lendas, vinhos ou especiarias raras
não,
só nesta nau
não busco nada
a não ser
ter meu nome escrito n’água
III
Pária
de alma engastada a vela
que
de plaga em plaga
vaga
sobre ondas várias
Deixa
solta âncora
à água
argêntea a areia a arrasta
quilha
em lâmina parda
Arma
espada à pluma
empunha
tragédia escrita
e corta
todas as amarras
…
*Glauber Lauria é poeta mato-grossense e mora no mundo. Nascido em 1982, publicou de forma independente o livro Jardim das Rosas em Caos, já participou de três antologias em diferentes estados brasileiros e possui poemas publicados nos seguintes periódicos Sina, Acre, Fagulha, Grifo, Expresso Araguaia e A Semana.
