*Indicações por Luiz Renato de Souza Pinto

Indicação de livros para a quarentena: tarefa difícil, quer seja pelo volume de coisas boas que tenho lido, quer seja pela distinta preferência de cada leitor, ainda mais em tempos como esses que estamos vendo/vivendo. Há que se ter critério. Penso em obras com temas impactantes para o contemporâneo. E sigo. Faço as escolhas e começo partindo da inscrição feminina da atualidade: o corpo.

 

“O corpo interminável”, de Cláudia Lage

Se você ainda não entendeu o que é viver em uma ditadura; O livro é feito de distâncias, presenças e de corpos, partes que, antes de esgarçadas se frequentam como nódulos em corpos carcomidos lentamente. É um livro que ressona profundamente depois de lido e reverbera na cabeça, tronco e membros. Nada tenho a dizer inicialmente sobre as [distâncias]. Mas quando adentro a página 21, em [presenças], pareço me sentir em outro plano, algo mais denso, embora não saiba se deva me utilizar desse vocábulo, embora tenha na imagem do corpo nu sobre a cama um leitmotiv pressentido para a trama toda. Sigo com uma desmitificação religiosa com

 

 “O filho mais velho de Deus e/ou Livro IV”, de Lourenço Mutarelli

Se você que se considera cristão acha que justiça divina é o que se vê por aí; Toda obra é excreção. Esta de Mutarelli, o é. As crescentes zoomorfizações apresentadas ao longo das 328 páginas dão certo tom de animalização do planeta. Se pensarmos na Covid-19 como uma das doenças-X, anunciadas pela comunidade científica internacional, não há nada de profético nisso, o que contraria discursos apocalípticos que são típicos de cenários proto-mutantes como o que vivemos. Só que não. Só que sim, e o que é pior, sem perspectivas de melhora para os próximos meses: durma-se com um barulho desses. Ou um silêncio desses, sei lá como é que você, leitor, se sente. Fecho com uma das melhores leituras dos últimos tempos:

 

“Marrom e Amarelo”, de Paulo Scott

Se você acredita em racismo estrutural e não entende por que muitos insistem em falar sobre racismo reverso. Sempre é tempo de se informar antes de sair pagando mico por aí. Ler “Marrom e Amarelo”, de Paulo Scott, propiciou-me voltar ao Bom Fim, o que já havia me acontecido com a leitura de “Meia Noite e Vinte”, de Daniel Galera, há uns dois anos. Os dois se detêm bastante nas miudezas da geografia da cidade. E passeio emocionalmente por alguns desses locais da Oswaldo Aranha, da Bento Gonçalves, da Protásio Alves, Praia de Belas. Túlio Quevedo foi outro porto-alegrense que me recebeu muito bem. Com ele descobri que o movimento negro no Rio Grande do Sul é bastante forte. E é isso que o livro de Scott reaviva em mim neste instante em que me deparo com “… a incomparável cordialidade brasileira” (SOCTT, 2019, p. 7).

 

 

*Indicações por Marianna Marimon

“1984”, de George Orwell

Imagine um mundo distópico onde as pessoas são monitoradas constantemente e precisam reverenciar a um líder, que nunca foi visto em público, mas norteia as decisões de um poder autocrático, que vive em guerra eterna com e contra duas outras potências. Este é o enredo de 1984 de George Orwell, clássico da literatura, que narra a história de Winston. O personagem trabalha alterando fatos do passado para que façam sentido na conjuntura atual de disputa, que muda conforme os interesses dos poderosos. Nessa empreitada, Winston se arrisca acreditando que é possível resistir contra o sistema opressor. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. O livro de 1949 prevê um futuro tão possível que faz a leitura se tornar ainda mais interessante e contribui para uma visão crítica do sistema em que vivemos. “Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota pisando um rosto humano para sempre”, arremata um outro personagem emblemático da história. Mas, sem mais! Não daremos spoilers. A leitura vale por si só e vai dizer mais do que eu poderia nessas esparsas linhas.

 

“Não matem as flores”, de Johannes Mario Simmel

O romance de Johannes Mario Simmel possui todos os elementos que o consagraram como um engenhoso escritor, que cria aventuras e situações extraordinárias para os seus personagens, com a característica fundamental de mesclar ficção e realidade. A pegada jornalística está em evidência em seus livros graças ao ofício de jornalista do austríaco. Em “Não matem as flores”, de 1983, o famoso advogado parisiense, Charles Duhamel, vê a possibilidade de mudar drasticamente de vida quando se envolve em um acidente e a agarra sem pensar duas vezes. A partir daí, uma série de acontecimentos surpreendentes marca a sua trajetória, que guarda, inclusive, uma bela e dramática história de amor. É claro que os elementos da realidade estão presentes, e se tratam, principalmente, das fraturas deixadas após a Segunda Guerra Mundial. Mas, Simmel tem a habilidade de nos envolver com uma narrativa consistente e bem arquitetada, além de nos provocar a reflexão sobre a humanidade e o que isso significa. É daqueles livros que você devora e nem sente o passar do tempo enquanto folheia as suas mais de 600 páginas.

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