Essas ruas guardam memórias. Essas pedrinhas que rolam com os carros pelo asfalto carregam histórias. Existem caminhos que percorremos todos os dias. Na maior parte das vezes absortos e distraídos pelo nosso fatídico destino pessoal e intransferível. Em cada uma dessas esquinas nasce uma crônica. Uma narrativa, um olhar sobre o que é cotidiano, rotineiro como o rolar de pedras e o devir nas ruas. Garimpar esses tesouros, tatear as pepitas, viver o presente ao visitar o passado e suas veias abertas.
Afinal, o que é a cidade? O que é este conjunto de ruas, casas, estabelecimentos, lojas, shoppings centers, centros de poder, de representatividade, igrejas, praças, arquiteturas, esculturas, estátuas, muros, divisões, escolas, prisões? O que é viver a cidade? Pertencer a ela? Pertencer em memórias, em possibilidades, em cotidiano? O que é desvendar as próprias ruas? Os significados e símbolos que estão guardados na história de uma cidade? No dia a dia entre o devir e o viver? O quanto de vida deixamos de viver enquanto estamos concentrados no nosso caminho único? Sem perceber o que está logo ao lado? Sem significar o que representa este pertencimento, este encontro, este conjunto de signos que acolhe, abriga e agrupa pessoas em torno de um sentimento?
Uma janela revela segredos. Um muro segrega existências. Uma igreja fortalece a fé. Uma lenda revive sentidos. Uma rua demarca caminhos. Memória coletiva, afetiva, individual. Cada signo como construção de sentidos para existir. Quantos olhares podem existir sobre uma única cidade? Com essa perspectiva, o Cidadão Cultura convidou os alunos de fotografia da Unic para narrar a sua versão de Cuiabá através da arte de rua. Daquilo que vivenciam, que enxergam na rua, o que capta o seu olhar, a sua atenção. E o resultado foi uma mistura de experiências.
Artistas de rua sobrevivendo da própria criatividade, da solidariedade das pessoas que cruzam as esquinas. Um pedestre, um motorista. O que está distante, o que está próximo, o que se confunde com o próprio espectador. Um vislumbre do que pode vir a ser, uma narrativa sobre o outro.
O grito do grafite, das cores que contrastam com o cinza da cidade, da impessoalidade, da frieza do mundo cada vez mais conectado no virtual e desconectado da realidade.
A arte que pode nascer em qualquer lugar. As trocas na cidade, as pessoas que existem e se enxergam no cotidiano. Perceber o outro. Esse foi o exercício que narraram através do olhar. As esculturas, as estátuas que contam fatos, histórias, lendas.
As casas lado a lado, a arquitetura antiga conta o que muitos desconhecem. Era lei: as casas deviam ser próximas para que os vizinhos ajudassem na segurança coletiva.
Maria Taquara, a primeira mulher a usar calças, dizem que a noite era visitada pelos soldados que chegavam a se tornar desertores por abandonar o posto. Ela caminha altiva com uma trouxa de roupa na cabeça e um cigarro de palha na boca. Um símbolo, um signo. Sua estátua encarna em aço a sua existência, rasga com padrões impostos pela sociedade, seja lenda ou realidade. É a estátua de uma mulher transgressora. Ela resiste e poetiza a história da cidade.
Mãe Bonifácia, se tornou estátua e parque. Lenda, mito, realidade… A mulher negra, a mãe dos escravos, que os guiava pelos rios, pelos córregos para fugirem dos capitães de mato e os levava até o quilombo para sobreviverem aos horrores impostos pela escravidão. São Benedito, o santo pretinho, celebrado em missa clandestina pelos escravos proibidos de participarem da missa dos brancos na igreja de Nossa Senhora do Rosário. A missa clandestina se tornou tão popular, que construíram um “puxadinho” para São Benedito onde costumavam se encontrar os escravos. Dessa união pela fé nasce a festa ao santo, que perpetua sua tradição até hoje, mas marca esse corte na história da humanidade. Era o único momento que ricos e pobres festejavam lado a lado.
Vítimas da chacina conhecida como Massacre do “Beco do Candeeiro” do artista plástico Jonas Lima Côrrea Neto. A escultura da Justiça, a da lavadeira, ou em homenagem aos combatentes da 2ª Guerra Mundial, como bem colocou Célia Cristina com as legendas explicativas para as fotografias.
E neste viver a cidade, a estudante Aline Ramos encontra o grupo de capoeira “Ginga Brasil” monitorado pelo professor Vinícius que fundou o projeto no bairro Alvorada para ensinar crianças em situação de vulnerabilidade.
Outros alunos encontraram-se com figuras emblemáticas de Cuiabá, como Franco Venâncio que trombou em um encontro com Adir Sodré. “Nesse dia fui até seu ateliê, nada combinado, ele estava saindo para o viaduto da Miguel Sutil e pediu para acompanhá-lo”. E Fatinha Cardoso que encontrou com Waldemar Souza Machado dando os últimos retoques na sua pintura no viaduto do Parque Mãe Bonifácia.
Essas ruas dão significado à nossa existência, guardam as histórias que narram a cidade, o coletivo, o sentimento de pertencer. E para revelarem tantos segredos só pedem um olhar para além de nós próprios.
Agradecimentos: Vinícius Silva Appolari.
Fotografias: Werônica do Couto, Suellen Pessetto, Priscila Ferreira, Jéssica Karen, Hideraldo Costa Assis, Gabriel Soares, Franco Venâncio, Fatinha Cardoso, Elias Rocha, Creidiane Paiva, Célia Cristina, André Aquino e Aline Ramos.
Primeiramente ao Cidadão Cultura e Marianna, parabéns pela linda matéria e divulgação, espero que essa parceria dure um tempão!
Aos alunos e fotógrafos, vocês mandaram muito bem! É uma satisfação pessoal muito grande ver o trabalho de vocês com um olhar direcionado para a cultura e arte!
Obrigado!
Ao som do berimbau aqui escrevo essas palavras a nossa amiga fotografa Aline Ramos. Boas ações sao bem vindas e agradeço sua presença aqui conosco, nossas crianças precisam, e agradeçem. Abraços Professor Vinicius Capoeira Ginga Brasil