A palavra quente que se reproduz no concreto frio. Um poema, uma frase, uma reflexão, cujo sentido solto voa pelas ruas movimentadas e dançam entre os pedestres que passam apressados. Sua poesia impregnada no cinza da cidade que se colore com suas lembranças de amor, seus sonhos despedaçados, recomeços, encontros e desencontros. Sua poesia é algo que toma São Paulo para si, faz do espaço que invade como se sempre o pertencesse, se faz morada, se faz coração.

Sua literatura conquistou muros e mentes, que no decorrer dos dias transitam entre suas letras como se fossem suas, rememorando as próprias experiências através daquelas palavras que choram, gritam e lutam para se fazerem livres, sem amarras.

A cidade se transforma em poesia. Os olhares se encontram com esperanças, porque a dor é de todos, e é preciso sentir a arte. É o conforto desconfortante em meio ao caos. São as palavras que rodeiam o cotidiano, é a sua marca impressa no mundo.

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São três anos em que percorre as ruas de São Paulo, com as letras que fervilham por todo corpo, Ryane Leão distribui seus lambes para se integrarem ao cotidiano. “A cidade sou eu, são as pessoas que correm para lá e para cá, e é nessa cidade, como personagem, que eu colo minhas poesias. E eu não pretendo quebrar a rotina de ninguém, e sim fazer parte dela”.

Em um caminho sem volta, assim denomina sua relação com a literatura – mas ainda bem, com sua própria ressalva. Agora, toda esta poesia que se encontra materializada em postes, muros e ruas, vai se transformar em papel, nas páginas do livro “Sou coração em excesso”.

“O livro é um amontoado de coisas que nos faz ser quem somos, mas é basicamente sobre se quebrar e continuar voando. A gente cai, né? Mas voa de novo. Tem o coração desenfreado guiando as estradas, tem recomeço, tem ressaca, tem amor, tem dias de merda, tem desistir de certas coisas para outras fazerem sentido, tem dias fodas, tem comecinhos e fins, tem solidão, partidas, contrapartidas. Toda essa bagunça que vive dentro (e fora) da gente e que é linda, é viva. Escrever esse livro, é essa sensação que a escrita me dá: me sentir viva”.

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Foto: Camis Batista

E as mesmas palavras que conquistaram as ruas e a Internet, conseguiram se pintar de preto nas páginas em branco através do financiamento coletivo, o crowdfunding pelo Catarse. “Se lanço por editora fico com 10% do preço da capa, ou seja, se a editora vende o livro por R$30, a escritora fica com R$3. Acho o esquema injusto e quis fazer diferente, para dar voz e força para literatura independente”.

Sua escrita é de resistência e Ryane quer dar representatividade e voz para a literatura feita por mulheres, e se antes seus poemas falavam sobre amores e quedas, hoje ganham um novo corpo, o seu próprio. Escritora, feminista, mato-grossense lutando por seu espaço na maior cidade do Brasil.

“A luta é para ser aceita em um mercado dominado por caras, é lutar pelas minas que também escrevem e precisam de apoio, é lutar para não deixar o coração se esgotar. É difícil, mas vale a luta”.

Foto: Camis Batista
Foto: Camis Batista

E a força de seu projeto é esta ocupação dos espaços da cidade, transformando o significado da rotina em poesia. Seus passos por São Paulo com os lambes paralelamente foram ganhando as ruas virtuais, e Ryane Leão viu seu “Onde Jazz Meu Coração” viralizar em compartilhamentos e marcações com fotos de internautas.

“Já colo os lambes faz anos e hoje em dia tenho 50 mil pessoas seguindo o projeto. Isso só me dá mais vontade de poetizar os muros daqui, coisa que faço toda semana (quando dá, claro, porque sou professora e às vezes estou sobrecarregada). O projeto só existe se existir poesia na rua, sempre foi assim, sempre quis assim”.

Além de São Paulo, Ryane tem trocado sua arte com projetos de outras cidades, como o @fuifelizaqui e o @projetosomosinstantes. “Os lambes já estão circulando pelas ruas de Porto Alegre. A intenção é viajar e colar em várias cidades diferentes, mas falta grana e tempo. Na próxima ida à Cuiabá com certeza espalharei poesia pelos muros”.

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Foto: Divulgação Facebook

Sua poesia é a cidade, é a resistência das palavras, das pessoas sobre a vida. E enquanto os muros estiverem ali, seus lambes irão resistir, mesmo que apaguem seu nome, como já o fizeram, e Ryane voltou a escrevê-lo em cima novamente e ao lado “valorizem a arte feita por mulheres e o direito autoral”. Afinal, a luta é pelo reconhecimento da sua escrita, mesmo que a reprodução pela Internet ecoe ao infinito, é pela valorização da sua literatura que trava suas principais batalhas.

Não há para onde fugir, afinal, para Ryane ser escritora ‘não é uma escolha, está ali no coração e já era’. “Só foi escolha quando eu decidi seguir nessa estrada no matter what. Fazer poesia é me fazer existir”.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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