Por fauno guazina*
na minha construção, massa social, terra modelada em lágrimas, lama em carne, massa morficamente humana e homem, tive o ensino de que o amor é sublime, incontestavelmente fantástico e se não for, não é amor.
note, cria-se um impossível questionar, se fosse amor seria sempre bom, se fosse amor seria pra sempre, se fosse amor te traria paz, se fosse… e se só amor não for o suficiente?
dor necessária é questionamento, o amor nos é apresentado desde cedo, românticos seres, em busca de metades, gêmeos apartados, partes, pedaços, completude… rotos somos? o que ou quem me põe esse rótulo: partido, quebrado, aquebrantado, insuficiente? solo sempre, busca de par.
pária eu que questiono o amor, mas sendo sublime o amor, não se torna inalcançável?! sendo esse tudo, o amor não traz consigo um certo padrão da tirania? brutal é o amor que se põe a encher de sonhos os corações, inflama os sentidos e torra as conexões com o mundo.
“viver é melhor que sonhar” — belchior
não me tomes por amargo, mal amado, traído, não sou caído, não fui abandonado a esmo pelos devaneios amorosos, e não estou cruel ou vingativo a mirar minha ira e fúria, língua espúria, contra o queridinho dos sentimentos…
disto aqui, nada tem de ódio, esse outro, sentimento siamês ao amor, avesso não dele, mas ele ao avesso, odiar é amar o contrário, é amar aquilo que não é, amar aquilo que queria que fosse, amar ao avesso, ódio é uma forma de amor. tão destrutivo quanto o próprio amor.
sentimento é tudo ambiguidade, não seja ingênuo, ou seja, mas não seja leviano, o amor é tão responsável pelas graças da história quanto as desgraças humanas, o amor deve sim ser duvidado, o amor precisa ser avaliado, nunca proibido, mas contestado, onde vai o amor? pra que serve o amor?
parece rude dito assim, mas é assim, o amor não recua nunca, nem em seu fim, com o amor sempre será um tapa bem dado, a rasteira inevitável. e é melhor que você caia, só derrapar no amor é mais cruel que sua queda, escorregar no amor cria um “e se” que vai lhe assombrar a cada nova decepção… e lembre-se: sempre haverá decepção.
os amores que acreditamos merecer e que achamos que conseguimos nunca estarão em equilíbrio. o amor não consola nem alimenta, o amor lhe comerá a identidade, devorará sua noção de realidade e por fim se alimentará todo de sua carne e lhe restará as cãibras da lascívia, ossos trêmulos sem coragem e uma dor pungente de vazio e espelhamento de si próprio.
mainha dizia que quando a dificuldade bate à porta o amor pula a janela, isso sempre me lembrava camões, que preferiu salvar seus manuscritos ao invés de sua amada, o amor tem disso, belo e trágico…
ah romeo, tu pareces atordoado em suas convicções, essa tua forma de ser pós si próprio, essas dores menores que teu ego ferido, tua vontade de não ser, de nem sei… romeo você tem o que merece, teu coração te ancora a ti mesmo, faz da tua alma cativa e poe esse corpo em riste.
o amor é como tal, uma instituição que pressupõe perfeição, mais uma farsa altamente desejada, como deus, como a própria vida, como o medo da morte. nasces ensinado e deseja desde sempre amar, como um porto, parada obrigatória para ser feliz, amor seria a instância do sublime no terreno.
nenhum amor jamais será em vão, nem um amor jamais sairá impune. nada será perdoado, no máximo esquecido, acostumado. o amor sempre será assassinado, o amor merece morrer, o amor tem matado a todos nós e como é bom morrer de amor… sadôs… somos patéticos em não amar e mais patéticos melados de amor.
“não amar é sofrer, amar é sofrer mais” — Menotti del Picchia
eu amo como o outro faz eu me sentir, portanto amo eu o outro? eu amo? e quando o que eu sentir não mais me for prazer? o que faço eu desse amor? o que faço eu do outro? quantos outros? que amor? qual?
insuficiente em si mesmo, sempre em busca de um outro, só o amor não garante porra nenhuma, o amor talvez seja como o tempo, uma ilusão inventada para passar a si próprio. como quem corre atrás do próprio rabo.
mas e ai? e se só o amor não for suficiente?
*fauno guazina é produtor cultural, designer, professor e urbanista.