a garoa caía fina revestindo a cidade de um cinza mais intenso que o concreto e eu me preparava para descer os degraus da escadaria, me perguntando mais uma vez quais objetos e segredos me aguardavam na manhã daquela terça-feira. tampas, garrafas, colchão, sutiã, meias, sapatos, cds espatifados, vidros quebrados, papeis, e tantos outros que nao me recordo mais. pensava no cotidiano infinito, descer aqueles degraus, chegar ao meu destino. as vezes apressada pelo atraso, as vezes despreocupada com meu próprio tempo, o do mundo e o das obrigações. meu cotidiano infinito. penso nas escadas, antes de descê-las, e um pequeno objeto coruscava entre seus degraus. refletia e me chamava. uma pequena caixa de madeira depositada em cima de uma caixa maior. com desenhos que faziam dela um tesouro. pego a caixa, repouso os objetos que estavam nela em cima do corrimão imponente, uma borracha verde, um chaveiro sem chave e dois pedaços de madeira, que mais pareciam lascas de um objeto maior.. um lápis talvez? uma caixa de marchetaria, me revelaria minha mãe. e sigo a minha sorte sem olhar pra trás. chego em casa já quase de madrugada e guardo dentro daquela relíquia, o meu oráculo da Lua, que na noite anterior havia aberto revelando momentos-chave. até então sem morada para o guardar, as cartas do baralho acomodaram-se perfeitamente entre as paredes de madeira. fechei a tampa e coloquei a mão por cima, como que abençoando o presente do Universo, que me encaminha com meus passos tortos por caminhos tortuosos, mas com lampejos que me fazem lembrar da poesia dos dias, contida nas brechas e fendas da vida.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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