*Por Luiz Renato de Souza Pinto

Ano passado estive no Nordeste por sete vezes, por várias motivações. No mês de janeiro, de férias, fui visitar um amigo de longa data, que não via há mais de vinte anos. Essa amizade é fruto das andanças do garçom performático que vendia poemas nos bares e restaurantes pelo Brasil afora, entre 1993 e 1994. Carlos Barros abriu as portas de sua casa em Recife e pudemos partilhar bons momentos de revisitação da memória e de ordenamento do presente. A amizade ressurgiu com mais força e vigor e sai agora em livro de crônicas, parceria Mato Grosso/Pernambuco, neste segundo semestre, pela Carlini & Caniato; crônicas em Duplo Sentido. Nessa viagem fomos até Sapê-PB conhecer a atmosfera que embalou a poesia de Augusto dos Anjos.

garcom performaticoEm abril fui a Fortaleza – CE para apresentar um trabalho sobre a escrita da cearense Ana Miranda, objeto de estudo no doutorado, na UNESP de São José do Rio Preto – SP, mas de quem sou fã desde o primeiro romance, Boca do Inferno, de 1989. Entrei em contato com a literatura QEER, algo de que ainda não ouvira falar. Um verdadeiro transformismo em termos de narrativa e crítica literária. A pesquisa sobre Ana Miranda veio quando suspendi temporariamente meus trabalhos com a literatura de Mato Grosso, a fim de ampliar a visão da crítica brasileira, recusando o rótulo de mato-grossense, em nome da que considero boa literatura. No mês de outubro estive em um congresso nacional de educação em Campina Grande-PB e lá apresentei trabalho sobre José de Mesquita, objeto de dissertação pelo Programa de Pós-Graduação em História da UFMT.

Mas quero falar do que me ocorreu em maio, quando, na cidade de Garanhuns – PE, participando de outro evento acadêmico, pude conhecer uma pessoa que entrou para o rol das boas amizades, em função de algumas particularidades, sobretudo o respeito intelectual, de ambas as partes. Essa ex aeromoça, que já morou na Colômbia, ex dona de escola experimental em São Paulo, profissional da educação sem papas na língua e autora de várias obras, tanto de crítica, metodologia educacional, como de livros infantis, é dessas pessoas iluminadas que traz na palavra o arado para cultivar a terra prometida pelos governantes e que nunca é entregue: a seara da educação. Rossana Ramos me fez interessado por um concurso em sua cidade de domicílio atual, Petrolina – PE e para lá eu fui em agosto, durante a última greve dos institutos federais.

Participei do certame, fui aprovado, mas por questões maiores acabei não indo para a Universidade de Pernambuco, o que por si só daria uma crônica: A mala, que com certeza escreverei em breve, assim que as ideias me assentarem todas na cachola, cada qual em seu lugar. Essa mulher sensacional publicou vários livros infantis, dentre os quais alguns que estou adaptando para teatro e que virá à luz em 2017, encenada por alunos do IFMT, Campus Octaíde Jorge da Silva, aqui de Cuiabá. Os trabalhos já começaram com a aprovação de projeto de pesquisa para a adaptação do texto, pesquisa acerca dos temas transversais, oficinas de cenografia e sonorização, dentre outras atividades.

maxresdefaultDentre as obras de Rossana, quero destacar uma: Na minha escola todo mundo é igual. Neste livro o foco é a escola inclusiva em todos os seus aspectos, rompendo com barreiras de ordem étnica, sexual, com relação aos PNEs, autismo, enfim, quaisquer problemas que afetem a relação ensino/aprendizagem, incluindo aqui o desrespeito às diferenças de todos os tipos. Um livro que ensina a respeitar os mais velhos, a não passar a perna em ninguém e que, através da ludicidade da poesia, nos coloca em contato com o que de melhor possa haver no ser humano, a compreensão e aceitação do outro, exatamente como ele é.

livro RossanaEste livro já vendeu algo em torno de 300.000 exemplares pelo Brasil, já é encontrado em espanhol e acaba de ter sua primeira edição em inglês, chegando aos mercados da Índia, Nova Zelândia, Inglaterra e outros países de língua inglesa. Este mês de julho a autora está em viagem a Cuba para acertar, junto ao seu editor e representantes do mercado editorial cubano, a entrada naquele país de seu trabalho. Não existem fronteiras para a educação de qualidade, para a boa leitura e para as boas iniciativas.

Estive no final do ano em casa de Rossana, às margens do rio São Francisco, e pude celebrar junto aos seus um final de ano maravilhoso em que sonhos se projetaram em nosso caminho, que é feito de sinuosidades com as quais aprendemos a conviver. Em fevereiro deste 2016 desisti do concurso, resolvi ficar mesmo no IFMT e voltar para perto dos meus. Longe da saudade do que poderia ser, estou feliz pela presença na cidade em que moram meus familiares. Certeza mesmo, só a de que fiz o que achei que deveria ter feito. A amizade perdura e voltei a Petrolina para buscar livros que havia deixado, passar em Recife e buscar alguns pertences que por lá deixei. A mala mudou-se de Petrolina e ainda está no Recife. Espero ela chegar, pelas mãos de um amigo, já que o excesso de bagagem me teria taxado, para poder escrever a tal crônica e fechar essa página.

Em breve espero pode viabilizar, junto aos colegas professores de língua materna, a vinda de Rossana Ramos para conhecer nossa cultura de perto. Tenho falado dela para os colegas do Campus Octaíde e pretendo que ela venha nos brindar com seu conhecimento em uma formação continuada para os profissionais de nossa área. De qualquer forma, ela prometeu vir assistir à estreia da peça no ano que vem. E disse que vai trazer o seu editor também. Que assim seja, minha amiga: que assim seja! Até lá!

 

*Luiz Renato de Souza Pinto, poeta, professor, pesquisador de literatura, ator e eterno Caximir

 

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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