Por Luiz Renato de Souza Pinto*
Quando iniciei no ensino superior como docente, ao final de 2001, tive contato com muitos autores e obras já conhecidos, mas ainda não investigados como objeto de análise e de estudo. À época observei nas listas de presença de turmas que se sucediam o número excessivo de pessoas que levavam nomes de santos; não eram quaisquer santos, mas sim, os que são bastante populares na baixada cuiabana. Gonçalos, Gonçalinas, Beneditos e Beneditas saltavam aos olhos, “tchumas de gente”! Lembro-me que Antonio Sodré, nobre e saudoso amigo fez parte de uma banda com o nome de “Os Beneditos”, ao lado de Glaucos e não sei mais quem, nesse período eu morava no Rio de Janeiro, ou em Cabo Frio, não me recordo bem.
Considero importante para o conjunto da literatura de Mato Grosso a seleta de prosa e verso em que Silva Freire figura ao lado de Manoel de Barros, Wlademir Dias Pino, Lucinda Persona, Ivens Scaff e Ricardo Guilherme Dicke. A obra traz elementos contundentes da literatura produzida sob o calor de Cuiabá. E esse olhar citadino está presente, logo em seu primeiro poema do Benedito:
– Não são elas quem lhe entopem as flautas da respiração…
-Quem enforca seu sono-sonho com gritos de – assalto!, não suas crianças…
– Quem encaixota sua qualidade de vida, não são as crianças.
(… )
(SILVA FREIRE, 2003, P. 41).
O poema discorre sobre as (i) responsabilidades dos agentes públicos na condução da máquina pública e é importante lembrarmo-nos disso às vésperas de mais uma eleição. O poeta insiste:
– As crianças são o futuro-interior da comunidade, e vão pedir contas à história.
-Oh, “seu” Delegado!, “seu” Fiscal, “seu” Secretário, sr. Prefeito, Guarda Civil, Chefes, Chefes, tantos Chefes!,
– a posse da cidade não é posse da função!
(SILVA FREIRE, 2003, P. 42).
“- talvez até porque:
– de suas sombras ambíguas
Mínimos de luz
Perfuram silêncios cáqui…”
(SILVA FREIRE, 2016, p. 9).
Bem Bem, Jejé, já já o tempo passa e tudo o mais vira memória, lembrança, esquecimento que a palavra ao vento torna escassa, mas que a fotografia tenta registrar com seus instantâneos de momento, seu descritivismo que a lente capta, registra e expõe aos nossos olhos sofridos pelo massacre do Candieiro, pela destruição de nosso patrimônio histórico material, que apela pela sobrevivência e que o imaterial não pode salvar. Mimoso, como filho de Mato Grosso, como pai, mas como poeta, de um mimo arvorado em palavra grossa, bruta, feito ganga, pedra canga salgando a pele das palavras de um sem-conta. A exposição invade os olhos sem pedir licença. A cartografia apresenta o centro velho com suas ruas esquisitas, de nomenclaturas antiquadas, mas que representam o tudo de um tempo que se vai distante.
Que a perda das palavras não seja mais uma imposição do avanço dos tempos. A ditadura do olhar não me devorou os ouvidos, apenas uma otoesclerose tem me dificultado um pouco mais. Mas não demos ouvidos a tudo o que nos falam. Pior que o escutar ou o não escutar é o olvidar!!.
REFERÊNCIAS
ROMANCINI, Sonia Regina. Leituras do cotidiano urbano em Silva Freire. In: Mapas da Mina: estudos de literatura em Mato Grosso. Cathedral, s/d.
SILVA FREIRE, Benedito S. Canto-murmúrio para minha cidade. In: Fragmentos da alma mato-grossense. Cuiabá: Entrelinhas, 2003.
________________________. In: Olhar Cuiabá. Cartografia silvafreireana. Exposição fotográfica de Mari Gemma de La Cruz.
*Luiz Renato de Souza Pinto é poeta, escritor, professor e botafoguense em ascensão!