eis-me aqui. desta vez fujo das normas jornalísticas para me refugiar na liberdade literária. alçar voos buscando palavras que forjem novos sentidos. afinal, com o caos instalado é preciso uma boa dose de imaginação para construir significado. palavras esvaziadas de sentido em tempos de fake news e bolhas virtuais nos mostram a imperante necessidade de recorrermos à um reforço.

eis-me aqui, ao rés do chão, sublinhando o último espaço no jornal, dedicado aos assuntos comezinhos. sim, sim, falo desta a que chamo de sincronicidade crônica. um dos meus primeiros exercícios de liberdade no jornal foi justamente com este gênero literário/jornalístico, fundado nos primórdios da imprensa brasileira, criando uma espécie totalmente tupiniquim.

sincronicidade são esses acontecimentos desencadeados como um passe de mágica,  atribuindo um sentido único que para qualquer outra pessoa não existiria. é por acontecer especialmente aos olhos de quem pode enxergar o entrelace dos fatos que esses momentos revelam a ardilosidade do destino. essa sincronicidade que nos enche de uma certeza quase mítica. esse acontecimento é um presente do Universo. ou simplesmente, é um prato cheio para eu me lambuzar e discorrer em linhas finas o que acredito ser preponderante para analisar a realidade.

sem mais delongas.

2 de fevereiro, dia de Iemanjá. minha mãe sai em busca de flores para presentear a rainha do mar. passamos um dia ensolarado no litoral norte de São Paulo. o acaso nos trouxe Leandro, o andarilho. com sua mochila nas costas percorre o país e seu próximo destino é andar, andar, andar, até chegar em Belém do Pará. com sua arte e simpatia, está acompanhado de suas boas histórias. enquanto conversávamos, Leandro fez um anel para me presentear. quando já o perdemos de vista, reparamos no seu alicate ali estirado na areia da praia. procuramos e nada.

em Brasília, o Senado Federal protagonizava o segundo dia de um verdadeiro show de horrores para eleger a presidência. a ordem instituída do MDB, a hegemonia do partido que mais chegou à presidência da República sem passar pelo voto popular, ameaçada pelo projeto de poder dos Bolsonaros. mais um episódio memorável dos “novos tempos” da política brasileira. mais um ponto para a família dos milicianos. eleito o inexperiente Davi Alcolumbre. O DEMocratas comandando as duas casas do Congresso Nacional. novas velhas raposas adentram o galinheiro.

na praia, um menino de 10 anos grita o nome do presidente. eu o questiono e ele me provoca, enfim paramos para conversar. e ele me pergunta, curioso: porque você acha que o governo do Bolsonaro não vai ser bom? eu respondo que ele diz muitas coisas que eu não concordo. ele e sua prima de oito anos dizem que também não gostam de muita coisa que ele diz, como a liberação da posse de armas. duas crianças conseguem perceber que a lógica de mais armas, menos violência é extremamente equivocada. “ah porque eu acho que tem que ter menos arma, né?”. eu concordo. tem que ter menos arma, menos morte, menos violência. e isso passa por tanta coisa, tanta política pública equivocada.

as crianças me enchem de esperança. explico um pouco o papel do jornalista na sociedade e os dois me olham interessados. (nota mental: a manchete desta notícia seria algo do tipo “jornalista comunista faz doutrinação marxista com criancinhas indefesas”). influenciando o pensamento crítico fazendo o mais importante a meu ver, perguntar para as crianças o que elas acham, como e porque pensam assim ou assado.

o sol se põe, pintando de prateado o céu e refletindo com inexplicável beleza na transparência daquele mar. Iemanjá protegendo suas águas enquanto nos permitia viver esse momento único.

exatamente antes de ir embora, depois de buscas incansáveis, encontramos o Leandro. devolvemos seu alicate e ouvimos a preciosa dica sobre a cachoeira. mas, essa fica para uma próxima viagem.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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