Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Tenho pensado muitos nas questões imperialistas ultimamente. Não sei se em função das eleições presidenciais americanas, da decadência da União Europeia, ou mesmo pela falsa democracia representativa em curso no Brasil. Che Guevara já chegou às boutiques de luxo do Rio-São Paulo, comprei uma camiseta com a estampa de Frida Khalo em uma loja de departamentos, a esquerda combativa (se é que ainda existe) bebe Coca-Cola há muito tempo e as hamburguerias são ponto de encontro de pessoas de todas as idades, sexos e credos religiosos, ao som de bandas americanas mescladas com hits de Wesley Safadão, Gustavo Lima, Maiara e Maraísa etc e tal.

imagens-do-dia-italia-terremoto-pescara-del-tronto-vista-aerea-20160825-010Semana passada a Itália foi varrida por novo terremoto. O número de mortos parece insignificante se comparado aos tsunamis asiáticos, a qualquer explosão de bombas no eixo árabe-israelense, mas a verdade é que uma única morte, em qualquer situação, ganha proporções gigantescas quando veiculada pela mídia internacional. E não é para menos. O evento teve como epicentro a região central do país, em um pequeno vilarejo que nada lembra o intermezzo de onde o Império Romano começou a se expandir, o Lácio, imortalizado em nossa cultura pelo emblemático poema de Olavo Bilac intitulado “A última Flor do Lácio”, referência à língua portuguesa, derradeira entre as grandes línguas derivadas do latim vulgar.

a-jangada-de-pedra-3-d-2011-2-728Inculta e bela, a nossa língua ganha esse epíteto por ser derivada do dinamismo linguístico das ruas, não do latim culto pregado pelos padres e envolto de um misticismo superior ao qual os pobres mortais não tinham acesso. José Saramago, único autor em língua portuguesa ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, ao defender a ideia de que Portugal não deveria entrar para a Zona do Euro, teve seu pensamento rechaçado pela própria comunidade portuguesa. Fechado em seu gabinete de trabalho, o Nobel trouxe a público sua resposta em forma de romance. Jangada de Pedra representa um terremoto que acontece na divisa entre Portugal e Espanha, inspirado no que destruiu dois terços da capital, Lisboa, à época do Marquês de Pombal, e que gerou o episódio da derrama, questão econômica sub-reptícia ao episódio que, em Minas Gerais, é conhecido como rebelião mineira, mas que muitos livros didáticos e manuais de história insistem em chamar de Inconfidência Mineira.Inconfidente é aquela pessoa incapaz de guardar algum segredo, levando-o para a frente, como destaca Gregório de Matos Guerra em um poema do barroco brasileiro, bastante conhecido do grande público, pois, incorporado aos livros de literatura adotados pelo ensino médio regular nas escolas brasileiras. No texto, o poeta traz a público a ideia de que

gregorioA cada canto um grande conselheiro,

Que nos quer governar cabana e vinha;

Não sabem governar sua cozinha,

E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem frequente olheiro,

Que a vida do vizinho e da vizinha

Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,

Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,

Trazidos sob os pés os homens nobres,

Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,

Todos os que não furtam muito pobres:

E eis aqui a cidade da Bahia.

615918A representação da cidade da Bahia à época é equivalente a que o escritor de além-mar (pois a minha referência é o Brasil) se nos apresenta. A metáfora de Saramago finaliza com o desprendimento do território português do continente europeu e com o fato de que fica a vagar pelo Atlântico Norte, à deriva, de onde surge o título da obra.  Recentemente assistimos ao plebiscito na Inglaterra em que a comunidade inglesa, por maioria apertada, optou pela saída da União Europeia, o que torna mais atual ainda essa discussão. No tabuleiro geopolítico da atualidade, em que a China avança a passos largos na economia mundial, sua associação ao poderio russo do momento, com os blocos intermediários com suas economias estagnadas ou com fraco desempenho frente ao modelo internacional, ficamos na expectativa de que piores dias virão.

bandeiraO modelo democrático brasileiro, fragilizado pelos últimos acontecimentos, às portas de mais um processo eleitoral em que faltam fichas-limpas para ocupar os cargos públicos, vê novamente loteados os cargos sem a mínima expectativa de que desta vez alguma coisa vai mudar. Está aberta a temporada de caça aos votos, paga-se bem; o preço é combinado de acordo com o interesse em promover a mudança social: pronto, falei!!!

*Luiz Renato de Souza Pinto é professor, poeta, ator performático, escritor, pensador, caximir.

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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