Por Daniel Aarão Reis*
O coronel Hugo Chavez apareceu na história venezuelana como um furacão. Na esteira de uma insurreição popular ocorrida em Caracas, o Caracazo, em 1989, que protestava contra uma república elitista e desigual, tentou, três anos depois, um golpe de estado com propostas e políticas de direita. Fracassou e foi preso. Indultado, reapareceu metamorfoseado em chefe nacionalista…de esquerda. Carismático, empolgou as multidões com críticas à corrupção, às desigualdades sociais, à violência, à dependência do país ao petróleo e aos Estados Unidos. Eleito presidente da república pela via democrática, em 1999, anunciou-se como intérprete de um socialismo do século XXI – renovado e original.
Acreditou quem quis.
O militar, a rigor, foi mais um exemplo da cultura política nacional-estatista, típica da América Latina. Sua popularidade nutriu-se de políticas sociais redistributivas, controladas e reguladas pelo Estado, e da melhoria de serviços públicos básicos. Na primeira década do novo século, a Venezuela era a pérola mais brilhante no colar de governos e lideranças nacional-estatistas que existiam na região. Dos mais radicais (Bolívia e Equador) aos mais moderados (Argentina e Brasil), todos reconheciam em Chavez um líder. Uma aliança sólida com a ditadura cubana conferiu-lhe um verniz socialista.
As forças conservadoras desorientadas, desacreditadas, abstiveram-se de participar na eleição de uma Assembleia Constituinte que pode elaborar um Carta à feição da autoproclamada revolução bolivariana. Partidária do nacionalismo. Um estado forte, intervencionista e regulador. Um chefe carismático. De cima para baixo viriam as benesses às classes populares, cujos movimentos deveriam ser disciplinados e controlados pelo Estado.
Havia ali contradições singulares. Um governo nacionalista que não rompia os laços com os Estados Unidos. Embora contra o capitalismo, não alterava as estruturas capitalistas do país. Celebrava o poder popular, contudo, os movimentos sociais não dispunham de nenhuma autonomia. A corrupção e a violência, males endêmicos, continuavam a prosperar.
Aquela revolução era um espetáculo? Assim a denunciou Rafael Uzcátegui, mas as palavras não ecoaram. Teodoro Petkoff, falecido ano passado, veterano de bons combates, criticaria uma esquerda messiânica e autoritária, em oposição a uma outra, republicana, reformista e democrática. Tampouco foi ouvido. Vozes no deserto.
A morte do comandante, em 2013, já pegou o país no declínio das rendas petrolíferas. O substituto, Nicolas Maduro, uma caricatura, não foi capaz de lidar com a crise que desabou sobre o país.
Como usual, o colapso da economia foi atribuído ao governo. O resultado não se fez esperar: as oposições venceram as eleições, em 2015, para a Assembleia Nacional. Os chavistas contra-atacaram convocando uma nova Constituinte e reelegendo Maduro, em escrutínio questionado, para um novo mandato.
A manobra não vingou e o novo líder das oposições, Juan Guaidó, aliando-se à pior direita latino-americana, proclamou-se presidente e novo salvador da pátria. Com dois presidentes opostos e hostis, o país atolou-se no impasse. A alternativa democrática seria a realização de novas eleições gerais com controle internacional, mas a ideia não ganha fôlego. Articulou-se uma aliança internacional, capitaneada por Donald Trump, e apoiada pela maioria de estados latino-americanos e europeus a favor de Guaidó. Sábado passado, 23 de fevereiro, esgotou-se o prazo dado a Maduro para aceitar a entrada de produtos e medicamentos enviados pelos EUA ao país. A mal chamada intervenção humanitária, que pode vir armada até os dentes, e que levou a Líbia e outros países ao caos, desponta como hipótese.
“Sopra um vento mau sobre a Europa”, disse Nathalie Loiseau, ministra francesa das relações europeias, referindo-se a governos de direita no continente. Sopra também um vento mau na América Latina e o desfecho da crise venezuelana poderá transformá-lo numa tempestade de destruição e morte.
Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea da UFF Email: daniel.aaraoreis@gmail.com