Por Luiz Renato de Souza Pinto*
E lá vamos nós. Fevereiro chegou e com ele as folias, enquanto os momos da corte ficam de bobeira. Nem tudo se resume a carnaval, é verdade. Por outro lado, há os que só vestem fantasias neste mês; quão infelizes devem ser os sectários da razão. 2017 bateu à porta com força e violentamente tenho reagido com a poesia e a prosa. Seis anos sem Antonio Sodré, agora em dezenove do mês. Há vinte anos nos preparávamos para o quatorze de março em comemoração ao dia nacional da poesia. Levamos mais de duzentas pessoas ao solar do Palácio da Instrução em um evento que deu à poesia o protagonismo maior da noite iluminada.
Com o passar dos anos fizemos esse evento em vários locais. Sindicato dos Jornalistas, SESC Arsenal, UFMT, Museu da Caixa D´ Água e nos últimos anos no campus do IFMT, Octaíde Jorge da Silva, com apoio e participação de servidores, docentes e discentes da instituição. Com direito a muitos convidados, sem dúvida. Este ano não será diferente.
Quando estive no Gran Bazar, com Eduardo Ferreira para discutir o lançamento de meu livro de crônicas, em parceria com o pernambucano Carlos Barros, em outubro passado, Julio me convidou para produzirmos um evento em seu espaço. E assim nasceu o projeto Terças poéticas, encetado em novembro por mim e André Balbino com o espetáculo Causo, Viola e Poesia. Em dezembro, Caio Matoso e convidados repetiram a dose, ampliando o público e trazendo um pouco do clima do Sarau Free, projeto que repousa, mas pode dar o bote a qualquer momento. Janeiro recebeu Luciene Carvalho. A poesia das ruas agora ocupando espaço na vida da (agora) imortal diva da poesia cuiabana.
Em 14 de fevereiro volto à carga com Balbino para saudar a poesia do Patativa do Assaré e Elisa Lucinda, bem como dar um abraço à cultura nordestina que dormita em minha mente de 2015 para cá. A partir de março o evento será quinzenal, consolidando a participação da galera e o crescente número de interessados em falar, ver, ouvir poesia. As duas edições de março acontecerão homenageando ao dia de nascimento de Castro Alves e o dia internacional da mulher. Aguardamos para o mês a presença de um poeta de renome nacional que ainda está por confirmar, o que selará a qualidade da iniciativa e o respeito às letras em nossa cidade.
Não é tarde para lembrarmos que recentemente houve uma mudança no caráter comemorativo dessa data. O referido dia é o de nascimento do poeta baiano Antonio de Castro Alves, célebre pelo Navio Negreiro e sua postura política contra os desmandos monarquistas do século XIX. O dia era comemorado em todo o país, mas sem o reconhecimento oficial. Por meio de projeto do senador Álvaro Dias, do Paraná, em 2014, à época ainda filiado ao PSDB, a ex-presidente, digo, presidenta, Dilma Roussef, oficializou o dia nacional da poesia, mas em outra data. E em homenagem a outro poeta. No dizer de boa parte da crítica especializada, o homenageado é o grande poeta brasileiro de todos os tempos. Não gosto desse tipo de louvação, mas o merecimento é válido, afinal, Carlos Drummond de Andrade atravessou dos anos 1930 até 1987 todos os períodos da cultura nacional de maneira bastante ativa, embora imbuído de gritante timidez. 31 de outubro, portanto, é o atual dia nacional da poesia.
Não vejo outra solução, a não ser comemorarmos as duas datas. Temos uma para o primeiro semestre, e outra para o segundo, dobrando as possibilidades de festejar a eterna musa. Do romantismo castroalvino, com seu caráter condoreiro e forte influência hugoana, para os versos livres e brancos do mineirinho discreto que conquistou a crítica e surpreendeu aos leitores mais desavisados com seus poemas eróticos, vindos à luz somente depois de sua passagem. É isso: que a poesia se faça presente em nossa vida, cada vez mais e com mais intensidade. Em O POVO AO PODER, Castro Alves, em 1884 nos lembrava que
Quando nas praças s´eleva
Do Povo a sublime voz…
Um raio ilumina a treva
O Cristo assombra o algoz…
Que o gigante da calçada
De pé sobre a barricada
Desgrenhado, enorme, nu
Em Roma é Catão ou Mário,
É Jesus sobre o calvário,
É Garibaldi ou Kossuth.
A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor!
Senhor!… pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu…
Ninguém vos rouba os castelos
Tendes palácios tão belos…
Deixai a terra no Anteu.
*Luiz Renato de Souza Pinto é poeta, escritor, professor e ator performático.