Ela passava os dias contando as horas. Acordava e dormia com o sol. Carregava nos ombros todo o peso de uma vida e meia. Saía pela casa procurando fios de cabelo que não os seus, sempre tentando buscar uma prova de que alguém havia passado por ali. As flores do seu jardim eram sempre roubadas por quem cruzava o seu caminho. Não conhecia isso de apegos, se encantava com o cheiro das folhas pela manhã depois de uma noite de chuva e logo se esquecia. Sempre buscando algo além do que podiam dar, queria mais, sempre mais e acabava assustando as pessoas que se arriscavam a chegar perto. Sua casa sempre muito organizada, tinha TOC, todas as coisas enfileiradas, separadas por cor, por nome ou por gênero. Ai de alguém se se atrevesse a tocar em sequer um objeto da sua estante. A fúria tomava conta do seu corpo. Ela tinha medo de dormir e não acordar com o sol. Era o seu único apego, o sol. Mas não via dessa forma, não entendia essa palavra, nem sabia o seu significado. Gostava de sentir soprar a brisa fresca da manhã em seu rosto e chorava todos os dias quando o sol ia embora. Chorava até dormir. E logo se esquecia. Seus sonhos eram sempre os mesmos, um looping eterno. Ela sonhava que mergulhava no mar e as ondas iam levando-a pra cada vez mais longe da praia, quando subia pra superfície via o sol indo embora e junto com ele todas as suas coisas jogadas na praia. Tudo indo embora. As coisas todas desorganizadas espalhadas pela areia. Ela nadava tentando voltar à praia mas as ondas iam carregando todo aquele peso de uma vida e meia mar adentro. Se cansava e desistia de tentar. As lágrimas salgadas se misturavam nas águas do oceano, e o seu corpo ficava cada vez mais leve. Uma tempestade se aproximava conforme o sol ia embora. E o seu corpo, que tinha agora o peso de uma pluma, sendo levado para o meio do mar. Ela se foi com as ondas, com o sol quando se pôs. Um dia, com as pálpebras pesadas, mergulhada na imersão de mais um do mesmo sonho, os olhos pararam de se mexer, o céu se fechou, as nuvens enegreceram e o sol não saiu.

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Economista, realizadora audiovisual, produtora e ativista cultural. A arte é intrínseca aos seus múltiplos olhares.

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