Por Wellinton Nascimento*
Imagine que a vida de um grupo de pessoas está contida em um rolo de filme e que você sendo o Criador tenha total controle sobre o que será exibido para os outros, mas não consegue se decidir sobre o que quer mostrar e escolhe um pedaço no uni-duni-tê. Foi essa a impressão que tive ao assistir Boi Neon em que o diretor Gabriel Mascaro criou um recorte aleatório de um trecho da vida de um grupo de trabalhadores de vaquejadas sem se preocupar com início, meio e fim e exibiu-o na tela. De início você até se pergunta por que está assistindo aquilo, mas aos poucos vai se apegando as personagens tão bem interpretados pelo elenco e deixando-se levar para dentro daquele universo exótico e animalesco. A história sem enredo pré-determinado nunca soa sem pé nem cabeça. É prazeroso acompanhar a provocação que Mascaro propõe aos nossos conceitos de masculino/feminino: é o vaqueiro rústico que sonha em ser estilista, a “mãe solteira” que dirige e conserta o caminhão, a mulher grávida que cuida da segurança da fábrica e assim por diante. O filme causou certo rebuliço por mostrar uma cena de sexo real em seu desfecho, no entanto a tal sequência não está lá apenas para satisfazer aos onanistas, ao contrário ela dá sentido ao filme, é uma belíssima cena na qual o jogo de sombras mascara a vulgaridade e as formas corporais desenham o cenário.
Queridinho do cinema latino no ano passado e indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, O Abraço da Serpente causa aquela decepção motivada pela expectativa que se tinha acerca dele, mas está longe de ser ruim. Particularmente gosto da ousadia de fotografar a Amazônia, talvez o lugar mais verde que se possa imaginar, em preto-e-branco. A imagem que temos da maior floresta do mundo está tão cravada na mente que até pode-se estilizá-la sem medo de descaracterizá-la. A história acompanha dois cientistas estrangeiros em duas épocas diferentes que guiados por um indígena solitário percorrem o Rio Amazonas em busca de uma planta com poderes curativos. Acho que está aí o problema do filme: as duas histórias não dialogam muito bem. Que filme Ciro Guerra queria filmar? Uma odisseia fluvial a la Apocalipse Now (há uma cena em que os protagonistas encontram um líder messiânico no meio do nada, na qual é impossível não se lembrar do Coronel Kurtz, do filme de Coppola) ou uma história intimista dos conflitos entre seres de dois mundos diferentes? Talvez uma mescla das duas que saiu meio esquizofrênica.
Não entendi a recepção fria que esse filme teve tanto por parte da crítica como do público. Deve ser um pouco de má vontade por ser dirigido por Angelina Jolie, a estrela que decidiu virar cineasta, mas digo que ela não faz feio após o pavoroso Invencível de 2014. No longa, uma dançarina (Jolie) e seu marido (interpretado pelo próprio Brad Pitt), um escritor americano, viajam juntos pela França. Seu relacionamento está passando por uma crise e eles evitam tocar em um tema que lá pelas tantas você já consegue sacar qual é. O longa assume um tom voyeurístico quando o casal começa a espiar por um buraco na parede os vizinhos de quarto recém-casados que transam sem parar e, a partir deles, começam a avaliar o próprio casamento. Não é um mar de originalidade, mas é um tocante drama de relacionamento (e não existe cenário melhor para essas histórias que a França) muito bem fotografado por Christian Berger, parceiro habitual de Michael Haneke.
*Wellinton Nascimento é jornalista, cinéfilo, cafecólotra e advogado do Woody Allen