Há questão de um ano e alguns meses, não sei exatamente quantos, estava em uma fila para comprar alguns livros no Patuscada, reduto de escritores e leitores costumazes em São Paulo, quando conheci Bruna Meneguetti e André Cáceres. Por essas conveniências literárias que costumam unir as pessoas passamos a trocar figurinhas e eis que surge um projeto do qual eles são signatários junto a outros onze escritores brasileiros.

Bruna Meneguetti e André Cáceres

Em tempos de pandemia, inúmeras iniciativas interessantes têm surgido para abrigar artistas e, especificamente, do ponto de vista da palavra, este é digno de destaque. O grupo oferece um e-book gratuito e disponibiliza uma série de serviços e atividades editorais aos interessados em adentrar ao mundo da escrita, ou mesmo em busca de aperfeiçoamento. Esse eBook é uma criação coletiva da plataforma Vida de Escritor, formada pelos escritores: Ana Elisa Ribeiro, Bruna Meneguetti, Márcia Barbieri, Alex Xavier, Cláudio Brites, Eduardo Sabino, Lima Trindade, Marne Lúcio Guedes, Matheus Acaro, Nelson de Oliveira e Whisner Fraga.

O lançamento é o primeiro passo da plataforma Vida de Escritor que deverá ser lançada oficialmente em setembro. O novo site vai reunir 17 autores, professores e tradutores de todo o Brasil para oferecer cursos de escrita criativa e conteúdos diversos. Os integrantes do time vão oferecer cursos e oficinas à distância sobre temas como escrita criativa, poesia e crítica literária, além de serviços para outros escritores, como pareceres de textos, revisão e mentoria para inscrição de obras em concursos. Esses serviços serão cobrados de forma avulsa ou por meio de uma assinatura mensal. A plataforma colocou no Catarse uma campanha de financiamento coletivo para viabilizar o lançamento do site.

Ana Elisa Ribeiro

No e-book gratuito que discorre sobre o projeto, Ana Elisa Ribeiro afirma que

Em casa, havia os livros trancados da minha mãe e uns poucos manuais de medicina do meu pai. Nem mais uma linha. Já adolescente, depois de amar as letras com certa distância compulsória, descobri umas estantes de livros na casa de meus avós maternos. Ali, sim, me aconcheguei e descobri parte de um mundo novo. (RIBEIRO, 2020, p. 6).

Os avós, quando não são os pais, a solução caseira acaba incluindo os avós. Não sei se aqui se trata de magia, ou cuidado, talvez apenas uma espécie de acaso compulsório quando se tem vida inteligente por perto.  Bruna Meneguetti, a moça que conheci na fila dos livros, é uma contadora de histórias. Seu romance “O último tiro da Guanabara” expõe algumas entranhas da ditadura Vargas com suscetibilidades de ficcionista. Vocês ainda vão ouvir falar dessa moça.

Ela [a literatura] é do tipo que tem sempre uma boa história na manga, que poderia contar, por exemplo, tudo sobre a vizinha, e também o marido da vizinha, e também o canário da vizinha, e não se esqueça dos antepassados da vizinha, e os filhos que a vizinha ainda não teve, além dos netos que os filhos da vizinha ainda não tiveram, porque a vizinha também ainda não os têm. (MENEGUETTI, 2020, p. 10).

Márcia Barbieri

Márcia Barbieri experimenta certa sensualidade na definição do fazer literário, aproxima essa prática a uma (insensata) busca de significação em busca de prazer. Para ela, elogios aos dotes físicos não “são capazes de alcançar a sensação de êxtase experimentada quando um leitor diz que se percebeu vivo ao ler o seu texto”. (BARBIERI, 2020, p. 14).

Alex Xavier disseca seus quereres ao valorizar a recepção. O leitor é criador de significados, o grupo dos treze sabe disso. (XAVIER, 2020, p. 18).

Claro que algumas das frases embaralhadas pelo time são de influxo misterioso, mas, sendo fator de risco em nossas vidas, a literatura pressupõe esse jogo perigoso (com as palavras e os significados). “A literatura mais comportada já é transgressão. E eu a pude escolher, não sem pagar caro por isso. Assinaria de novo esse longo crediário inalcançável. A literatura é minha dívida de vida”. (ARGOLO, 2020, p. 21). André Cáceres, em sua apresentação, lembra-me a crônica de Veríssimo “Gigolô das palavras”, pela relação linguística que estabelece o contato:

Minha paixão por esse ofício de escavação linguística surgiu aos poucos, se insinuou pelos recantos de minha mente e tomou conta de mim quando eu descobri que poderia recrutar as palavras, essas companheiras triviais do cotidiano, e subvertê-las como um zumbi que infecta sua vítima. (CÁCERES, 2020, p. 25).

Claudio Brites

Cláudio Brites transporta a palavra para outros centros. E a traz de volta, reestruturada. “Fosse como escritor ou psicólogo, a palavra era o centro do trabalho, a busca por ela, meu motivo de estar no mundo”. (BRITES, 2020, p. 29). Eduardo Sabino partilha de psicologismos sugeridos pela escrita de Brites. Para ele, interessa “o mistério, o sonho do qual tento, ao criar, tomar as rédeas. Controlo o sonho e sou conduzido por ele. Após a criação, a mente se desanuvia”. (SABINO, 2020, p. 32).

Lima Trindade traz da experiência com o traço, com a criação de história em quadrinhos certa expertise. “Quando escrevo um conto, novela, ou romance, recupero a criança que fui e sinto como se estivesse desenhando ou pintando um mundo novo”. (TRINDADE, 2020, p. 37). Cada qual com seu cada qual. E a pluralidade do grupo reflexe as dimensões do fazer literário.

Alguns escritores escrevem como se o texto nascesse deles e se transformasse em algo distinto, externo, pura ficção. Respeito essa forma, mas sinto diferente. Não existem personagens na minha literatura. Tudo que escrevo sou Eus em palavras. (GUEDES, 2020, p. 39).

Se você não se identificou com o discurso de nenhum deles, é porque talvez seja mais um. Um outro jeito de ser, de ver, de ler esse mundo. “A escrita literária é minha ferramenta, meu instrumento, minha arma pra revolucionar o mundo. Mesmo que seja o meu mundo”. (ARCARO, 2020, p. 43).  Mundo, mundo, tão vasto e profundo. Tão cheio de vazios de uma existência pura e simples.

Ciência, consciência, consistência feroz. “A ciência tenta descobrir o que o universo é, a filosofia tenta descobrir por que o universo existe. Aí está, potente, o núcleo pulsante de minha literatura” (OLIVEIRA, 2020, p. 46). Insisto sempre na mesma tecla. A escola é a segunda chance de se formar leitores, sendo a família a primeira instituição responsável por essa prática.

Whisner Fraga

Whisner Fraga, além de escritor, é também professor. Atua no Instituto Federal de São Paulo, meu duplo confrade, como escritor e professor da rede (sou do IFMT). Para ele, parece que tudo começou por lá.

Foi a escola pública no interior de Minas Gerais, a professora no banco de um pátio com o livro aberto e um amor absurdo a infestar os olhos, um menino se embrenhando na timidez para descobrir o autor, o título, a conversa jamais desaprendida, o abismo, o presente: a literatura e suas teias abrasivas. (FRAGA, 2020, P. 49).

Essa instituição tão fragilizada pelos desgovernos, sofrida pelos cortes de verbas, mas que não desiste da formação cidadã. Precisamos de uma cruzada para recuperação da leitura em nosso país. Treze escritores que se lançam ao mar aberto da significação colocam-se à disposição dos curiosos, dos práticos, que buscam aperfeiçoamento. O mundo que circunda a palavra está clamando por iniciativas como esta. Você pode fazer parte dessa viagem.

Vida de escritor.

REFERÊNCIAS

RIBEIRO, Ana Elisa [et all]. Treze escritores & muitos segredos. Por que eu escrevo? São Paulo: Vida de escritor, 2020.

 

 

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

Comentário

  1. Luiz, muito obrigado pela leitura atenta dos textos e pelos comentários sempre pertinentes tecidos por você! Posso falar em nome do coletivo que apreciamos demais seu apoio e agradecemos muito pelas palavras.

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