*Afonso H. R. Alves

Quando ele voltou ao Café Paris havia uma constante esperança de encontrá-la, mas gradualmente não se sentia mais a chance de vê-la no mesmo lugar. Checava o relógio de 10 em 10 segundos, aprisionado e fixado pela cadeira-cadeia de memórias, olhava e como se pudesse reviver todos os momentos no mesmo instante.

Desatento à esquina, permaneceu dentro de seu mundo, apesar da algaravia do espaço. Todos ocupados com suas necessidades e vivendo cada um seu cosmo, cada um ouvindo somente o que é direcionado a si. Vigilante apenas em si e para si… Albert examinava sua vida, buscando sair daquele ambiente e sabendo que a mente é perigosa.

Ele tinha caminhado naquele dia 10 km, insensatos 10 km que consumiam suas economias e saúde. Naquela cidade, que a toda esquina, sentia-se o cheiro do álcool, cigarro e para além disso, sabia que o convite para os deleites kármicos era forte. Olhando para o chão, viu suas lágrimas criarem uma trilha, reabastecia de acordo com as esquinas diabólicas… reacendia em si as suas cores densas dos espasmos da alma. É como se o álcool colorisse a alma, mas logo depois alguma outra solução dissolvia, fazendo com o que o pintor, precisasse de mais.

Não é surpresa que a cada respiração profunda, a circulação se renovava deixando a mente com a certa conveniência de querer mais. Até chegar o momento do diálogo interno… Quem e o porquê disto?

Ligou mais que rapidamente para seu amigo de conselhos complexos. Matheus Gonçalo atendeu e como titubeando, perguntou: A que devo o prazer da ligação? Uma longa pausa…

“Quando você não fala, é por que há algo mais, diga Mestre, qual é a situação? Você só você me liga com esses silêncios quando há densos problemas.” Disse Matheus.

“Explique por que ficamos cegos diante dos labirintos?”

“Agora sou eu que respiro, Mestre. Talvez a inconsciência das ilusões faz o Ego pensar somente na sua finitude.”

“Não…”.

Não precisa de conceitos, precisava de algo mais forte. Desligou.

Saiu novamente pelas ruas, viu certos moradores de rua a pedir, a olhar como se soubessem o que eu estou sentindo, afinal, quem mora na rua sabe o que a multidão sente… Como Diógenes, o cínico, vivendo num barril rodeados por cães e gatos, ditos irracionais, porém professores do mundo.

Outro minuto de reflexão sobre a saída da realidade pelo ego. Como se andando para trás visse as próprias pegadas em lágrimas como átomos em fusão com algo maior e forte. Lamento, dor, pranto… sintonias orquestradas por memórias do subsolo.

Ó meu Deus, disse um mendigo chamado Proteu, vestido como bobo da corte, mas cortes como cavaleiro medieval. Perguntou:

“É você?”   Com a língua presa, roupas cheirando a esgoto, mas com um olhar focado no olhar do próximo.

“Você que há alguns anos me deu um livro sobre como ser um Porco Espinho de Novalis?” Disse que sim, e engrenou:

“Ajudou?”

Ele respondeu: “Entender as metáforas da vida através da defesa dos próprios espinhos é lindo!”  Proteu como que levantando-se e retirando os espinhos sociais, continuou:

“Tudo que você pensa que perdeu, perdeu somente como linguagem, pois bem antes não pertenceu a você.” Moveu novamente para o arquétipo porco-espinho e seguiu radiante em seu sorriso cínico.

Continuando a saga em busca do caminho de sofia, Albert sabia que para um dia, isto era demais para se processar.

Ligou para outro amigo, na esperança de entender o processo de achar uma saída para o ritmo do sofrimento. Pensou que o pesar de caminhar sem rumo era sentir o agora enquanto dor, pensou em parar e dormir na rua, sentiu que deveria continuar, apesar do peso nos ombros e na mente… Bruno atendeu no mesmo segundo que ele tentou parar e dormir.

Bruno Alves atendeu como se já estivesse falando sobre as alquimias universais. Albert disse:

“Ouça-me”.

“Quanto tempo, hein, eremita do cerrado.” Bruno sabia os caminhos tortuosos da solidão.

“É o Tempo que ri para nós.”

“Eee, você e suas lacunas edificantes. Hahaha, me diga, a que devo o prazer desta ligação.”

“Qual é a melhor música para sair de si?”

“Sim do Raul Seixas”.

Novamente a ligação não fazia sentido. Talvez, por ventura, Albert não entendia o sim da dor e pela dor.

Tão cheio de ideias e caminhos, passeando com a cabeça arqueada, pronta para algum alvo…perguntava-se sem pensar no que estava à frente: “Essa busca é mesquinha ou vale a energia que toma”.

Não atento à rua, tropeçou num policial, pedindo desculpas no mesmo instante, disse que irá ter mais cuidado. Seu nome era Evaldo Batista, mas preferia somente Evaldo, estava numa missão de cuidar de um local…não deixar o caos se expandir. Evaldo exaltado de sua missão:

“Sou um vigilante do caos, faço o que posso para o caos não emergir.”

Albert disse:

“Conheço o caos dentro da mente com demasia.”

Rapidamente ele retrucou “Venha cá que te mostro o que é caos”.

Andaram alguns metros, viraram uma esquina a direita, chegando no meio do beco, perto de um buraco, ele mostrou dezenas de garotos, homens e mulheres usando drogas, muitos grudados na própria saliva, gemendo, gritando, não querendo e ao mesmo tempo querendo mais e mais… Ele disse com indiferença:

“Sai de si!”

 “Acorde!”

Palavras em eco, zumbindo, fez Albert acordar como se vivesse outra vida, algo que fazia sentido, mas que ainda naquele momento era difícil de discernir, o corpo só sentia o cansaço de uma maratona de questionamento e excessos.

alvesAfonso Henrique Rodrigues Alves é escritor.
Formado em Ciências Sociais, amante da filosofia e 
estudante de Cyber Security.

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