Ouço a música que vem do vizinho. Notas arpejadas de um piano tilintam em minha cabeça. Tão. Tão oca. Um balão cativo como nave de Pedro. Pedro Nava. Memorialista mineiro de boa cepa.
Agora, Neruda repousa sobre a pequena mesa na beira da cama. Estou acamado: Oh my god! A América Latyna esmiuçada sob o signo do utópico socialismo sucumbe em 2016. O planeta revira-se feito morto na tumba. Ressoam versos cantando del Chile a Cuyabá, ressoa o piano invadindo se avizinhando, cortando fatias da manhã iluminada.
O céu feito algodão inebria os olhos doces de menino sonhador. As manhãs frias dos Andes. – Anda, minino, a gente vai se atrasar! A mãe puxa o garotinho mimado e dá umas breves leves pancadas em seu coco sob o boné. Menino rebelde! Anda!
Confesso que vivi. Atravessei em um trem fantasma cada paisagem desse terreno de sonhos. As mentes retrôs festejam com seus banquetes batailleanos o olho que vê a fresta aberta nos muros sombrios que separam pessoas. Pessoas se preparam para a superação das contradições.
A manhã se ergue no esteio da vontade de liberdade. Liberdade de escolha. Liberdade de vida. Liberdade de música. Liberdade para errar e reparar erros, liberdade para cantar, contar histórias, ensimesmar. Não pode haver limite para a liberdade que dança aos nossos olhos como bailarina. Dança o clássico o bizarro o contemporâneo. Dança dança. O piano ressoa no quintal sob o espetáculo do despertar dos lírios selvagens.
A manhã do poeta é diferente da do analista de sistemas. Oh, maldição, o sistema financeiro que se ergue de falsos castelos construídos por pessoinhas com sua preguiça modorrenta arrotando fartos sobre a mesa do banquete. Enfastiado, estou assim, como a década do desencanto. O século que se abre renitente intransigente.
A mãe arrasta o menino e caminha junto com a procissão dos mortos. México. México de Emiliano Zapata. A história não precisa de heróis. A procissão que caminha para a boca do precipício a bocarra do olho do cu. George Bataille chegou para o banquete, viajou na sacola do João Fincatto del Sur para Cuya. Bah!
Anda minino. Minino voa. Minino voa nas asas do Boeing da travessia del sur para o mato. Mato Grosso do leite das mães envenenadas. Crianças envenenadas pelo leite materno. Oh! pátria minha sem pai sem mãe sem lenço nem documento. Oh! Século de descrentes, a procissão não para.
A mãe segue e arrasta a turba.
