*Por André Balbino
Cuiabá, 9 de junho de 2016
Chego cinco minutos antes das dezenove horas no Sesc Arsenal para trocar meu litro de leite por mais um ingresso nessa quinta feira de “bulixo”(comidinhas e troços e trecos). Violas nordestinas, dando sequência ao projeto Sonora Brasil tematizando as VIOLAS BRASILEIRAS, nessa noite ainda fresquinha, como Cuiabá fica agradável com esse clima.
Teremos três violeiros lá do Nordeste na noite de hoje, Cássio Nobre maranhense criado na Bahia, músico, pesquisador de tradições do recôncavo baiano, entre as quais a viola machete, uma violinha miúda usada para tocar samba chula, roda de samba, coco, manifestações, no dizer de Cássio, quase extintas, aqui está a luta desse jovem músico de alta qualidade que enfrenta com muita disposição as dificuldades de se manter tradições como essas.
Assistindo o Cássio e ouvindo sua prosa percebo que essa luta nós vamos ganhar, estou na torcida, ele mostrou versões dele para as tradições e também os “toques” tradicionais de raiz lá do samba do recôncavo baiano, samba sincopado abusado de lindo, cheio de contrapontos e saídas inteligentes. Tocou “Couraça”, composição própria, essa cheia de acordes rebuscados mostrando a erudição do Cássio e sua relação intima com a violinha machete.
Outro músico, esse de Rio Grande do Norte, repentista, extremamente talentoso e didático, Raulino Silva, explica e mostra toda espécie de repente que se possa imaginar: sextilhas, galope à beira mar, martelo (ele diz que foi um Frances de sobrenome martelo que criou essa forma de Repente), septilha, gemedeira( aquela do “ai” “ui”), décima, martelo alagoano, oitavão rebatido, martelo agalopado. Foi introduzindo a platéia nas formas super fechadas dos modos de se cantar o Repente, isso tudo com muita originalidade e muita piada, fazendo a gente rir e se divertir, risadas soltas com o Raulino, que pediu um mote pra platéia para ele improvisar, dado o mote, veio o repente pra mostrar que o negócio é ali na hora, o cabra já vem com as ideias todas em forma de rima metrificada, muito interessante, mas, talvez, didática demais. Por mim seria mais cantoria e menos blábláblá, aliás a noite de ontem foi extremamente didática, mas essa é a ideia do projeto, vamos lá.
O terceiro da noite foi o professor de música, mais especificamente, viola e violão, do conservatório pernambucano Adelmo Arco Verde. Violeiro de Pernambuco extremamente arrojado e técnico começou tocando uma música do quinteto armorial, melodia linda bem puxada pro Nordeste com solos nas primas muito bem definidos, bem ao estilo medieval, na próxima soltou um Heraldo do Monte, “Darlene triste”, simplesmente maravilhoso.
Adelmo colocou a importância de Heraldo do Monte para a viola caipira no Brasil, citando a parceria com Hermeto Pascoal com o qual tocou no Quarteto Novo (grupo muito importante para a música brasileira, composto por Théo de Barros no baixo e no violão, Heraldo do monte na viola e na guitarra, Airto Moreira na bateria e percussão e Hermeto Pascoal na flauta) na década de 1960.
Adelmo nos contou que foi proibido de dar aulas de viola caipira no conservatório e que para driblar as normas os alunos levavam a violinha na caixa do violão. Por uns dez anos foi assim até ele conseguir criar a cátedra da viola caipira, mais ou menos doze anos atrás. Isso me fez pensar numa passagem do livro do violeiro e pesquisador Roberto Correa que diz que em Portugal, “tanger viuellas fosse proibido pois que abriam-se as janelas e os corações das donzelas”, isso lá pelos idos dos 1500, pensei em como é velhinha nossa violinha!!!!,
Adelmo tocou uma música chamada “Virgulino”(nosso Lampião), muito bonita e colocou a questão da necessidade de Lampião naquele momento político da história do Brasil e fez um paralelo com nosso momento atual e da necessidade, talvez, de outros Virgulinos, só que agora engravatados, nesse caos da corrupção que assola nossos políticos e empreiteiros.
Uma noite de muito saber e absorver desses menestréis nordestinos envolvidos até o talo com a resposta contemporânea a esses instrumentos, tão teimosos e vivos, até hoje. Finalizaram os três juntos com uma música em sol maior, alegre e marcada pelos improvisos na cantoria do Raulino Silva. Por hoje a viola nordestina, mas amanhã entraremos no erudito colonial e contemporâneo dos violeiros Fernando Deghi e Marcus Ferrer com as VIOLAS EM CONCERTO, até amanhã então.
André Balbino é violeiro, pintor, desenhista e poeta nas horas vagais. Nasceu em Guiratinga MT.