*Por André Balbino

Chegamos ao Sesc Arsenal, eu e Verônica, dezenove e trinta, noite fria em Cuiabá, coisa rara e boa, trocamos, cada um, 1 litro de leite por ingressos da apresentação do projeto Sonora Brasil, em sua décima oitava edição, dos violeiros Sidnei Duarte (viola de cocho),Rodolfo Vidal (viola fandanga) e Mauricio Ribeiro (viola de buriti).

O tema do projeto para essa noite, é: “Violas singulares”, que no dizer da produção do SESC: “As Violas singulares, são aquelas que não foram difundidas além de suas regiões de origem, estando ligadas a gêneros musicais bastante regionalizados, como o fandango do norte do Paraná e sul de São Paulo, o cururu e o Siriri de Mato Grosso”.

Passamos pelo bar/restaurante e já pegamos uma bela canja da Márcia e do Julio Coutinho, voz e violão respectivamente, MPB de altíssima qualidade, um belo começo de roteiro nessa noite fria.

Entramos no teatro e, pontualmente, começa a apresentação. Sidnei Duarte, o “patrão”, no dizer carinhoso do Mauricio Ribeiro, conversa com a platéia mostrando e dizendo da história da viola de cocho, ataca logo de cara um CURURU pantaneiro de raiz, uma técnica aplicadíssima desse músico extraordinário que é mineiro de Uberaba, êee “Berabão”. Segue com um rasqueado, “Quilombinho”, composição de José Agnelo Ribeiro, aqui o rasqueado cuiabano nas “manitas d’oro” do Sidnei se transforma em música do mundo, belíssima composição muito bem executada pelo músico/estudioso da viola de cocho.

“Sidão” como bom cicerone passa a vez para a viola fandanga ou caiçara do Rodolfo Vidal que é natural de uma ilha no extremo sul de São Paulo de nome Cananéia. Rodolfo diz que em meia hora de barco já entra no Paraná. Explica depois do show  que  o termo Caiçara abrange toda a população beira mar do extremo sul do Rio de Janeiro até o norte do Paraná e que esse tipo de viola só aparece por essas bandas. São três cordas simples seguidas de uma corda dupla e um bordão(corda mais grossa) e ainda tem uma cordinha fina acima de todas que vai do cavalete até o começo do braço da viola e que, no dizer do Rodolfo, afina-se de acordo com a voz do folião cantador. É uma meia corda por nome de “periquita”, gargalhadas gerais quando ele disse o nome da corda, Cuiabá adora um “palavrão” bem colocado né?! Mas a cordinha é também chamada de “toeira”.

Rodolfo começa com “Moda de São Gonçalo” uma moda cantada, bem singela, mostrando que “nosso” santo anda por tudo que é lugar que tem viola. Na segunda música mostra que compõe muito bem, com “Depois da serra”, um instrumental bem marcado com partes distintas bem elaboradas, aqui nada ingênuas, há já um trabalho de pesquisa e desenvolvimento no instrumento.

Rodolfo passa a vez para Maurício Vidal que se apresenta, é do povoado de Mumbuca, um distrito de Mateiros em Tocantins o estado mais novo do Brasil. Maurício vem de uma família de tocadores e construtores de violas de buritis, que é comum na região em que foi criado. Conta que seu avô tocava a viola como uma rabeca com arco, e que o braço da viola era curtinho, quando ele começou no “ofício” achou que tinha que encompridar o braço da viola e tocar com ela no colo como fosse um violão e assim fez e hoje pode-se dizer que é um mestre no seu oficio, como disse Sidnei Duarte.

Maurício nunca estudou música ou luthieria é tudo “no olho” no ver e fazer. Começa tocando uma música do mestre e avô Antônio Biato com Silvério Matos “Pau Pereira”, uma toada bem ao estilo “goiano” com letra animada e alegre .

“Pau Pereira, é um pau de opinião, todo pau fulora e cai mas o pau pereira não…” a platéia grita e assovia ao final da música, continua com “Tradição do Jalapão” (o Jalapão é um parque estadual de preservação no Tocantins), música do próprio Mauricio Ribeiro com Arnom Tavares e Sirlene Matos. Aqui fala das coisas de sua terra, do cerrado, dos pequizeiros, das frutas, mangaba, murici, buriti e das belezas das cachoeiras do belo Parque do Jalapão.

O público atento, pequeno, mas muito afins de todo aquele conhecimento no palco do SESC Arsenal, aguardava mais. Volta o Sidnei Duarte com música de Roberto Corrêa feita para viola de cocho, “Mazurca Pantaneira”, nessa música uma criança começa a chorar na plateia, aliás, aqui vai uma sugestão aos pais: começou a gemer a criança, dá uma saída e vê se resolve, se não, por favor, fiquem no foyeur porque atrapalha sim, tanto o músico como a platéia. Depois da “Mazurca…” Sidnei mandou uma composição própria “Espectro pantaneiro” linda música instrumental complexa, com muita técnica para viola de cocho, coisa de mestre.

Volta o Rodolfo com “Guapuruvu”, que vem a ser uma árvore imensa com a qual os caiçaras fazem suas canoas para poder pescar. Ele contou que a semente dessa arvore é amarrada num “colarzinho” e colocada no pescoço das crianças quando os dentes estão”rasgando” as gengivas delas e com isso alivia as dores e a dentição sai ótima. Música lenta, instrumental bem sensível, acalma alma que pede mais. Ele toca “”Anu-marca de batido”, música de domínio público da região e passa a vez para Mauricio Ribeiro que “ataca” de “Violinha de vereda”, dele mesmo, com Arnom Tavares e Josino Medina, uma “moda” deliciosamente simples com letra irresistível que ele “ensina” e pede pra cantarmos juntos, “é assim ó : ‘violinha de vereda, viola de buriti, quando eu toco essa viola, Sá menina, é como lembrar de ti’, vamos cantar?”. O coro foi intenso, uma delícia, após essa foi um instrumental, “Tico tico”, do próprio Mauricio, música animada com solos “picotados”.

Na sequência, Sidnei Duarte com “Estudo n°1”, composição dele mesmo, de extrema dificuldade de execução na mão direita, belíssima composição desse mestre, pra mim o ponto alto de toda a apresentação. Parabéns  “Sidão”, depois dessa eles tocam juntos duas músicas, uma do Rodolfo, outra do Mauricio, “Debaixo da laranjeira” e “Fogo na canjica”, finalizando uma bela apresentação nessa noite fria de junho no teatro do SESC Arsenal, e olha, é só o começo pois ainda teremos Paulo Freire e Levi Ramiro com “Violas caipiras”, a tradição dos causos e das modas no Sudeste do Brasil. Então até a próxima.

*André Balbino é violeiro, desenhista, pintor e poeta nas horas vagas. Nasceu em Guiratinga, MT.

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