Por Alam Borges*

Comentário acerca do livro: Visões – de Rodrigo Brito

As Visões que nos são dadas ver neste livro são lancinantes. Nos deparamos com visões oníricas, surreais, cheias de desespero, de solidão, de desencanto; de uma negação tão virulenta em que o poeta desdenha de si mesmo. Estas visões são geradas por uma tensão que se dá pela negação da realidade, do cotidiano caótico, e a fuga para o sonho, para o delírio, para a poesia, enfim, em sua fonte primordial. O poeta tem a consciência da hipocrisia do mundo, mas sabe que o seu corpo participa do mundo, está no mundo e no mundo se realiza. Esta tensão entre corpo e subjetividade gera os poemas que compõe este livro. 23 poemas no total, enfeixados em ordem numérica e sem títulos. Mas quantos poemas mesmo, tem este livro?

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Os poemas são eivados de melancolia, desesperança: o desespero frente às irrealizações; a falha, a queda; nem mesmo a queda, mas a consciência de caído: decaído neste marasmo cotidiano, de uma realidade caótica, inviável, e cheia de horror: visões humanamente dantescas, que só resta ao poeta fugir para outra estação, onde o sonho lhe dará a visão sublime, a poesia em sua fonte obscura e inviolável; e o poeta se ressente de nem poder fixar as visões que lhe são dadas ver:

                                   Na ponta do meu corpo brotavam confusões

                                   ao norte eram apenas os segredos

                                   de uma noite ilusória

O poema 1 e o 23 são poemas que falam de outros poemas que o poeta escrevia em sonhos; assim, eles nos remetem a outra coisa que não o poema escrito, pois o poema, a confusão brotando dos dedos, não pode reter as visões sublimes, o enigma que ele pode ver, negando a realidade e evadindo-se no sonho. A única esperança do poeta em meio à realidade causticante, ao cotidiano medíocre, que lhe põe frente à dama da morte, talvez a única esperança, mas desesperada seja:

                                   Desenharei algum dia a cena que me alucina

                                   e será a grande obra do acaso

 A consciência do poeta da falha da língua para conter seus delírios, suas alucinações, o faz aludir ao poema que ele escrevia em sonho; intuição do encontro com a poesia que lhe dá o anelo de “desenhar a grande obra do acaso”. Assim o poema é, e não é. É o fracasso do poema primordial, sonhado, visto em alucinações. É um esboço do verdadeiro poema, é uma negação de si mesmo. Os poemas são esboços de imagens, visões oníricas que nos insinuam uma outra realidade, que necessita do corpo para ser criada e concebida, mas em que o corpo não pode habitar. Erotismo e morte habitam o corpo que sofre, pulsa, entre a hipocrisia que lhe dá náusea, mas enfrenta e se coaduna em meio a este cotidiano, em que a evasão, a negação, enfim, o nada, seria o ideal; e o desejo de se estar em outro lugar, a fuga; a fuga consciente:

                                    Ir embora para muito longe

                                    Onde seja possível suicidar-me

Diante da morte e da desolação do mundo, do marasmo amorfo, só resta a arte; e a agonia, a evasão, a negação, o desejo de:

                                   rasgar minha alma

                                   e desenhar um barco com as folhas cortadas.

Pois a vida angustiada não cessa de dizer:

                                   “pode ser hoje”

A busca pela amada, pela donzela de seus sonhos, transfigura-se na busca solitária pela própria poesia, distante, inatingível, no “próximo século”, que ele sabe da solidão de:

                                   … corações ligeiros

                                   sem a fortuna do afago

Nestes desencontros, nesta solidão irremediável, neste desamparo, neste desespero, citando o meu próprio:

                                   “eu morro de desespero

                                   porque eu não sei morrer”

 o poeta simplesmente pede:

                                   deixem-nos a sós com os sonhos.

Esta negação radical se dá pela própria necessidade do poeta de sonhar. A vida cotidiana é tediosa; então, diante do marasmo imutável:

                                  boicoto a existência

                                  minha loucura atinge uma montanha

                                  continuo o mesmo

Pois é impossível para o corpo realizar-se no puro mundo dos sonhos, pois os sonhos mesmos, pressupõe o corpo, assim como os poemas pressupõe visões para além deles próprios. O pé do poeta pisa o chão, caminha na existência e as ruas:

                                  Da cidade empoeirada rompeu a minha vertigem

Mas é aí que se dá a realização do corpo; seus desejos; suas paixões; e o subjetivo, que em busca da sublimação, necessita negar esse cotidiano.

O corpo palpita, sofre na solidão, vive na ausência, mas a distância e os desencontros serão anulados:

                                   mesmo distante o coração sabe

e o desejo se realiza sem sublimação:

                                   no quarto

                                   as roupas jogadas

mas

                                   A vida estagna os sonhos

                                   E me remete à hipocrisia que sou

Pois a desilusão só tem a certeza da iniludível, e já:

                                   Não posso nunca mais sorrir novamente

e o poeta fecha-se na obscuridade de seus sonhos:

                                   A escuridão é a outra parte de mim

E é esta escuridão que se propõe a nos mostrar com seus poemas, este lado invisível em que:

                                    Me transfiguro ao poema Meteoro

Esteticamente o próprio poema é falho, pseudopoema, na necessidade de alusão às “visões”, não às que nos deparamos na leitura, mas o sonho, as “reais visões” do poeta, às quais o poema alude, que só pela intuição se consegue enxergar por detrás do poema escrito. Às vezes, a negação radical cinde o poema, que se constrói e se nega, um poema que acorda o sonho de outro poema como uma imagem platônica de que o poema escrito é mera cópia, um escrito tosco do poema arquetípico, original; enfim, a sublimação, a visão da poesia, do indizível e intocável. O poema assim se nega para ser outra coisa, outra visão, inconcebível em palavra; e o poeta então esboça, traça, desenha as falhas do que:

                                   ...poderia ter sido

 e o poema é mera referência a outro poema; onde:

                                    os relógios aparecem escondidos

                                    dissolvem as luzes e acolhem o noturno

e o poema possível, escrito, é a visão que remete às “visões”, é luz de estrela morta, fio de luz sem pavio que alumia, aos olhos da intuição, estas “visões” obscuras do poeta.

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Rodrigo Brito
*Alan Cardec Borges: poeta cuiabano, nascido em Torixoréu/MT, autor dos livros: 
fogo (poemas) - o infiltrado  (poemas) - e Alegorias encantadas :crianças  (contos
infantojuvenis) sobre crianças, para crianças e adultos; usa como assinatura 
literária: alam borges

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